Esquema pirâmide e compliance.

Por Artur Gueiros, Coordenador Acadêmico do CPJM.

16/11/2020.

Recentemente, diversos casos de fraudes financeiras ganharam destaque na Imprensa. Assim, em 09/11/2020, foi noticiado pela imprensa que a Polícia prendeu Jonas Jaimovick, dono da JJ Invest, suspeito de operar um esquema “pirâmide” que teria causado prejuízo de 170 milhões de reais para cerca de três mil pessoas que aplicaram suas economias em investimentos que prometiam lucros de 10 a 15% ao mês (https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/11/09/policia-prende-dono-da-jj-invest-suspeito-de-operar-esquema-de-piramide-financeira.ghtml).

Igualmente, foi noticiado em 05/11/2020, que Vinicius Ibrahim, um trader com mais de 200 mil seguidores no Instagram, dono de um fundo de investimento que prometia aos clientes uma rentabilidade fixa de 2% por mês, teria desaparecido depois de ter causado perdas de R$ 30 milhões aos seus clientes, que sequer sabiam que o tal fundo não era registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), tampouco possuía CNJP. Vinicius utilizaria de marketing midiático com o auxílio de “robôs” que replicariam anúncios dos seus “ganhos financeiros” pela Internet nas redes sociais (https://portaldobitcoin.uol.com.br/day-trader-brasileiro-desaparece-com-dinheiro-de-clientes-e-apaga-redes-sociais/?fbclid=IwAR1fa0A3fI_Mxys2GRXr0eUqwlgAm3G7gGcA8e2Qn7qcU4yHVYis8mtMWH0).

Da mesma forma, no final de setembro de 2020, foi noticiado que o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu a extradição aos Estados Unidos de Carlos Wanzeler, ex-proprietário da TelexFree, uma empresa norte-americana que operou, até 2014, uma “pirâmide” ilegal e esquema Ponzi, que defraudou mais de um milhão de vítimas em todo o mundo, com prejuízos estimados em mais de US$ 3 bilhões. Acusado, juntamente com outros empresários, de conspiração, fraude eletrônica e lavagem de dinheiro, Carlos Wanzeler enganou os seus investidores com plena ciência de que a TelexFree não tinha um modelo de negócio sustentável, sendo certo que o golpe funcionou através de postagens e mídia social, incluindo sites e vídeos no YouTube (Cf. STF Notícias: 2ª Turma autoriza extradição de proprietário da Telexfree, http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=452431&ori=1).

Segundo Isabella Pereira, o aumento de casos de “pirâmides” estaria relacionado não apenas com as já conhecidas promessas de ganhos altos em pouco tempo (bastante comum em época de crise econômica), mas também com certas características do mundo atual, como o excesso de informações divulgadas pelos mentores dos esquemas. Esse excesso de informação inibiria as pessoas “alvo” a questionar a legitimidade dos dados, tendendo a acreditar que o “especialista” sabe o que está fazendo com o seu dinheiro. Assim, “a falta de acesso a informações, bem como a disseminação de conteúdos enganosos online e facilitação de contato pelas redes sociais, pode levar o indivíduo a aceitar o discurso que lhe é oferecido, ainda mais se ele se coaduna com os princípios que já traz em si.” (in CVM http://pensologoinvisto.cvm.gov.br/tag/piramides/).

De fato, apesar de não poder ser classificado como “novidade”, pois desde há muito tempo que se tem notícias de esquemas Ponzi ou “pirâmides” – cite-se, entre nós, os Casos “Papatudo” e “Boi Gordo” –, as facilidades do atual mundo tecnológico, como o marketing digital ou novos produtos como as criptomoedas, somado a contínua queda da taxa Selic (que deixou investimentos tradicionais em renda fixa cada vez menos atrativos), fez com que aumentasse a procura por novas “oportunidades” de ganho financeiro e, consequentemente, o incremento de registros de denúncias de fraudes a investidores junto a CVM (https://economia.estadao.com.br/noticias/governanca,cresce-o-numero-de-denuncia-de-golpes-no-mercado-de-capitais-saiba-como-evita-los,70003330607).

Segundo Sally Simpson e Michael Benson, o esquema “pirâmides” ou Ponzi observa a seguinte tipologia: O investidor é atraído por meio de promessas de ganhos extraordinários; Os primeiros pensam que o investimento é muito bom e contam para amigos e parentes, encorajando-os a fazer o mesmo; Na medida em que as pessoas entram, o agente é capaz de distribuir os lucros por meio do dinheiro que também entra; No entanto, nenhum “dinheiro novo” é gerado na operação; Na verdade, o operador está “roubando” Pedro para pagar Paulo (“robbing Peter to pay Paul”); Com a entrada de mais pessoas, os membros crescem mais rápido do que o dinheiro que é investido, e assim não há como pagar a todos; O esquema entra em “colapso” e todos perdem o dinheiro investido, exceto o agente criminoso e, talvez, os que conseguiram sair no início. (SIMPSON, Sally S.; BENSON, Michael L. Understandig White-Collar Crime. 2nd Ed. New York: Routledge, 2015, p. 138-139).

No Brasil, os casos de “pirâmides” ou Ponzi, salvo quando envolverem gestão fraudulenta ou outra hipótese tipificada na Lei n. 7.492/1986 (Lei do Colarinho Branco) são enquadráveis como crimes contra a economia popular, definidos no art. 2º, inc. IX, da antiga Lei n. 1.521/1951: Obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (‘bola de neve’, ‘cadeias’, ‘pichardismo’ e quaisquer outros equivalentes). A pena cominada é de (apenas) seis meses a dois anos de detenção, além de multa. Em regra, a competência é da Justiça Estadual, salvo quando envolver o interesse da União Federal. Nesse sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em junho de 2020, um conflito de competência entre as Justiças Estadual e Federal e que envolvia um esquema “pirâmide” com criptomoedas (STJ. 3ª Seção. CC 170392. In https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202000101884&dt_publicacao=16/06/2020).

Como se pode observar, a Lei que trata do assunto é um diploma anacrônico, que merecia não somente uma melhor descrição típica (considerando os diversos avanços tecnológicos), como, igualmente, uma previsão de sanção mais adequada à gravidade de fatos dessa natureza que, via de regra, causam prejuízos para um grande número de investidores, além de abalar a credibilidade do sistema financeiro e do mercado de capitais. Seja como for, tem-se que não apenas a educação financeira de pessoas físicas e jurídicas, como, igualmente, a atuação de agências reguladoras, como a CVM, se fazem pertinentes para a prevenção dos esquemas “pirâmides” ou Ponzi. Aqui também tem lugar uma atuação eficaz dos programas de compliance na generalidade das empresas.

Como lecionado pela Professora Ilene Patrícia de Noronha Najjarian, diante da grande incidência de esquemas de “pirâmide” financeira, tendo ou não como “atrativos” novos produtos como as citadas criptomoedas, cumpre ao Compliance: pelo lado do adquirente do produto financeiro, verificar os investimentos diretos ou indiretos da empresa ou do grupo societário, bem como a regularidade do ofertante perante a Comissão de Valores Mobiliários; Do lado do emissor ou do ofertante do produto, o Compliance deve adotar a checagem dos padrões das Resoluções do BACEN e das Instruções Normativas da CVM.

De fato, a atuação fiscalizadora da CVM nessa temática, bem assim o papel desempenhado pela Polícia e pelo Ministério Público, são fundamentais para prevenir e reprimir casos como os acima mencionados. Todavia, enquanto não houver uma evolução tanto legislação brasileira (com uma melhor descrição das condutas ilícitas e com penas capazes de dissuadir os potenciais criminosos), uma melhora na educação financeira dos investidores e, sobretudo, uma conscientização dos encarregados de formulação dos programas de compliance de ofertantes e adquirentes de produtos financeiros, continuaremos a ter novos casos de esquemas “pirâmides” ou Ponzi.