
Advogado, lavagem e autorregulação regulada.
Por Artur Gueiros, Coordenador Acadêmico do CPJM.
11/12/2020.
Em reportagem publicada pelo jornal Valor Econômico, noticiou-se que, um ano após a recomendação da ENCCLA (Estratégia Nacional de Combate a Corrupção e Lavagem de Dinheiro), a OAB deverá estabelecer normas que impeçam os seus integrantes pratiquem lavagem de capitais e financiamento do terrorismo no exercício da advocacia (https://valor.globo.com/politica/noticia/2020/12/05/um-ano-aps-recomendao-oab-prope-mecanismo-de-autorregulao-para-impedir-lavagem-de-dinheiro.ghtml).
Cuida-se de Minuta de autorregulação, por intermédio da qual será imposta a obrigatoriedade de os advogados informarem ao COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), sobre as operações suspeitas dos clientes em setores específicos, como compra e venda de imóveis, gestão de fundos e aberturas de contas bancárias.
O texto constará de Provimento do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a ser analisado e aprovado na reunião da próxima segunda-feira, dia 14/12. Em seguida, deverá ser baixada, em 90 dias, uma detalhada regulamentação, na qual constará a forma pela qual os advogados deverão fazer a comunicação aos órgãos de inteligência financeira.
Conforme consta, ainda, daquela reportagem, ficam de fora dessa obrigatoriedade a prestação de serviços advocatícios de consultoria jurídica, de emissão de pareceres para orientar a posição jurídica do cliente ou de representação em processos judiciais, administrativos, fiscais, arbitrais, de conciliação ou de mediação. Vale dizer, as atividades advocatícias protegidas pelo sigilo profissional.
A noticiada autorregulamentação é recebida com otimismo, apesar do seu atraso, quando comparada com outros países. Por exemplo, nos Estados Unidos, a ABA (American Bar Association) e outras associações estabeleceram, desde 2010, um “guia de boas práticas” a ser observado pelos advogados para detectar e combater lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo, denominado Voluntary Good Practices Guidance for Lawyers to Detect and Combat Money Laudering and Terrorist Financing (https://www.abajournal.com/magazine/article/aba_endorses_guidance_for_lawyers_on_fighting_money_laundering_and_terroris).
No mesmo sentido, o GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), expediu, dentre as suas conhecidas 40 Recomendações, orientação no sentido de prevenção a lavagem de capitais. Especificamente para advogados e consultores, estabelecem deveres de identificar e prevenir fluxos ilícitos de recursos pelo sistema financeiro, por intermédio do monitoramento da conduta de seus clientes (due diligence).[1]
Mais recentemente, em junho de 2019, o GAFI publicou o Guidance for a Risk-Based Approach for Legal Professionals (RBA), em substituição ao anterior de 2008. Nesse novo documento, encontram-se novas orientações sobre a utilização de uma metodologia de risco para avaliação de clientes e tomada de medidas para mitigar os riscos de lavagem de dinheiro aos quais advogados e consultores estão expostos no curso de suas atividades profissionais (https://www.fatf-gafi.org/media/fatf/documents/reports/Risk-Based-Approach-Legal-Professionals.pdf)
Por outro lado, a própria legislação brasileira já estabelecia o dever do advogado, no exercicío de atividade de consultoria para, por exemplo, estruturar operações financeiras ou de aquisição imobiliária, comunicar ao COAF evetuais suspeitas de lavagem de dinheiro por parte de clientes ou interessados. Cuida-se de regra inserida no art. 9º, inc. XIV, da Lei n. 9.613/1998, por força da Lei n. 12.683/2012, portanto há mais de oito anos. Conforme se teve oportunidade de dizer em artigo científico escrito em coautoria com a Professora Cecília Choeri: “Entende-se que as provisões do § 1º do art. 14, da Lei n. 9.613/1998, com as alterações da Lei n. 12.683/2012, podem ser aplicadas a profissionais da área jurídica, quando atuem prestando os serviços de assessoria de que trata aquele dispositivo, razão pela qual devem tais profissionais dispensar especial atenção às operações que possam constituir-se em sérios indícios dos crimes previstos naquelas leis ou com eles se relacionar.”[2]
Nesse panorama – nacional e internacional – e diante da possibilidade real de mudanças legislativas, em tramitação no Congresso Nacional, para o endurecimento de regras de comunicação de operações suspeitas, por intermédio de estratégias de heterorregulamentação, é alvissareira a iniciativa do Conselho Federal da OAB de promover um modelo de autorregulamentação. De fato, esta é preferível àquela, e todos saem ganhando com o estabelecimento de regras claras sobre o exercício da advocacia, protegendo o bom profissional frentes aos riscos inerentes ao assessoramento de operações de compra e venda de imóveis, aberturas de empresas, estruturação societária, dentre outras.
HONORÁRIOS MACULADOS
Com relação aos honorários pagos com recursos provenientes de atividades ilícitas do cliente, o Provimento a ser analisado pelo Conselho Federal da OAB propõe a emissão de uma lista de documentos que poderão ser usados pelos advogados junto à Receita Federal do Brasil para comprovar a prestação de seus serviços, excluindo – no sentido que consta da citada matéria do jornal Valor Econômico – que aqueles profissionais venham a ser responsabilizados por receber honorários pagos com dinheiro sujo.
“Ainda que provenientes de recursos obtidos de maneira ilícita, o advogado, nessa condição, não age com a finalidade de ocultar, dissimular ou dificultar a localização do produto do crime, mas somente receber a justa contrapartida do exercício de uma função legalmente autorizada. Não há, portanto, dolo em sua conduta”, diz o texto de apresentação da minuta.
De fato, a questão referente aos chamados honorários maculados é cercada de grande polêmica, não apenas na doutrina, nacional e internacional, como igualmente pela jurisprudência da generalidade dos países. Nesse contexto, é evidente que não se pode, a priori, afirmar a existência ou não de dolo por parte do advogado que venha a receber recursos provenientes, por exemplo, do tráfico de drogas. Tudo irá depender, naturalmente, do exame do caso concreto.
Feitas tais ressalvas, é de se aplaudir – novamente – o Conselho Federal da OAB por decidir enfrentar tais questões, demonstrando que, assim como ocorre em outras profissões, a advocacia brasileira se insere no esforço mundial de prevenção da lavagem de capitais e do financiamento de terrorismo, reforçando e aprimorando os mecanismos internos de compliance e de due diligence.