
Empresas e reparação de graves violações contra a humanidade
Por Artur Gueiros, Coordenador Acadêmico do CPJM.
21/12/2020.
Em setembro passado, foi anunciada a celebração de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) entre os Ministérios Públicos Federal, do Trabalho e do Estado de S. Paulo, com a Volkswagen do Brasil, no sentido do encerramento dos inquéritos civis deflagrados para apurar a responsabilidade da empresa e seus dirigentes por terem participado fortemente da repressão ao movimento operário durante a ditadura militar brasileira (http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/noticias-sp/ministerios-publicos-assinam-acordo-com-volkswagen-sobre-repressao-na-ditadura).
Segundo o documento, a contrapartida para o encerramento dos litígios, será a doação, até janeiro de 2021, de: (1) R$ 16,8 milhões à Associação Henrich Plagge, que congrega os trabalhadores da Volkswagen; (2) R$ 10,5 milhões para as políticas de enfrentamento do passado ditatorial, com projetos que resgatam a memória sobre as violações aos direitos humanos e a resistência dos trabalhadores na época; e (3) R$ 9 milhões aos Fundos Federal e Estadual de Defesa e Reparação de Direitos Difusos.
A empresa também se comprometeu a publicar em jornais de grande circulação uma declaração pública a respeito do assunto. O TAC previu, ainda, que um relatório sobre os fatos investigados seria publicado pelos MPs e que a companhia apresentaria sua manifestação jurídica sobre o caso (http://www.mpf.mp.br/sp/sala-de-imprensa/docs/TAC_Final_VW_Assinado_Sem_Anexo.pdf).
É interessante registrar que se tratou de iniciativa inédita no Brasil. Conforme se teve oportunidade de escrever, em parceria com Matheus de Alencar, em Relatório destinado ao 20º Congresso Internacional da AIDP – Associação Internacional de Direito Penal, ocorrido em Roma/2019, dezenas de empresas brasileiras, ou estrangeiras com filiais no País, participaram tanto do golpe, como na repressão da ditadura militar que vigorou entre 1964-1985, em ações criminais contra os seus oponentes, pessoas físicas ou pessoas jurídicas (http://www.cpjm.uerj.br/wp-content/uploads/2020/12/Individual-Liability-For-Business-Involvement-in-International-Crimes.pdf).
Contudo, a exceção da Volkswagen do Brasil, nenhuma das demais partícipes tomou a iniciativa de promover reparações financeiras em prol das vítimas ou da memória da época do arbítrio. Algumas reconhecerem, direta ou indiretamente, o erro de apoiar o golpe de 1964, como foi o caso das Organizações Globo (https://oglobo.globo.com/brasil/apoio-editorial-ao-golpe-de-64-foi-um-erro-9771604).
Todavia, outras empresas, sejam do sistema bancário, industrial, comercial, e vai por aí, ainda devem uma satisfação – moral ou econômica – à Sociedade e às vítimas daquela página infeliz da nossa História.
Por outro lado, não se ignora que a questão do envolvimento de corporações com ditaduras e regimes de exceção se trata de temática complexa, não somente no Brasil como em outros países. Mesmo no caso do Holocausto – o pior de todos os crimes da Humanidade – muitas empresas demoraram a reconhecer os erros do passado. Isso para não mencionar aquelas que sequer admitem tocar no assunto, como parece ser o caso da IBM (International Business Machines Corp.) e sua antiga filial alemã, a Dehomag.
Como dito por Annika van Baar: “As corporações estiveram envolvidas em várias fases do Holocausto. Empresas comerciais participaram da perseguição de judeus na Alemanha – e mais tarde também nos territórios ocupados – e contribuíram para a sua marginalização econômica principalmente através do envolvimento em políticas de arianização. Corporações se envolveram nos crimes nazistas de trabalho escravo, pilhagem, assassinato em massa nas câmaras de gás e a queima de corpos depois que as vítimas foram assassinadas ou morreram. Além disso, empresas tomaram parte em crimes contra outros grupos de vítimas visados pelo regime nazista, bem como no uso de trabalhadores forçados de territórios ocupados, como França, Itália e Holanda.”[1]
Diante de tão relevante temática, é oportuno concluir esse post com as palavras muito bem lançadas na nota oficial divulgada pelos integrantes do MPF, MP/SP e MPT, que subscreveram aquele importante TAC: “O enfrentamento do legado de violações aos direitos humanos praticadas por regimes ditatoriais é um imperativo moral e jurídico. Não se logra virar páginas ignóbeis da história sem plena revelação da verdade, reparação das vítimas, promoção da responsabilidade dos autores de graves violações aos direitos humanos, preservação e divulgação da memória e efetivação de reformas institucionais, sob pena de debilidade democrática e riscos de recorrência”.