Democracia e as grandes corporações

Por Artur Gueiros, Coordenador Acadêmico do CPJM.

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13/01/2020.

Nos primeiros dias de 2021 o mundo assistiu estupefato a violenta invasão do Capitólio – talvez o símbolo máximo da democracia norte-americana –, por dezenas de apoiadores do Presidente Donald Trump, com o objetivo de interromper a sessão que certificaria a vitória do Sr. Joe Biden, eleito novo presidente dos EUA (https://www.washingtonpost.com/dc-md-va/2021/01/06/dc-protests-trump-rally-live-updates/). Aparentemente, a turba que tomou de assalto o Capitólio queria “alterar” o resultado das eleições presidenciais, sob a infundada alegação de que elas teriam sido “fraudadas” (https://www.nytimes.com/live/2021/01/06/us/washington-dc-protests).

Além de atentar contra as instituições democráticas e o Estado de Direito, resultando mortos, feridos e destruição do patrimônio público, a invasão do Congresso foi duramente criticada por muitos cidadãos, políticos e empresários não apenas nos Estados Unidos, mas em todo o orbi – a exceção, naturalmente, de alguns poucos, como o próprio Sr. Trump, que declarou “amar” os invasores (https://edition.cnn.com/2021/01/07/politics/trump-history-comments-trnd/index.html).

No entanto, como bem observado por David Gelles – colunista de economia do New York Times –, haveria uma certa hipocrisia no ar, especialmente por parte das grandes corporações. Embora critiquem os atos e palavras do Sr. Trump, depois do episódio do Capitólio, CEO’s de muitas empresas aplaudiam os arroubos presidenciais que, até pouco tempo atrás, lhes favoreceram economicamente.

Segundo Gelles, “[a]s grandes empresas fecharam uma barganha faustiana com o presidente Donald Trump. Quando ele dizia algo incendiário ou flertava com o autoritarismo, altos executivos emitiam declarações vagas e moralizantes e tentavam se distanciar de um presidente pró-negócios que cobiçava a aprovação deles. Mas, quando Trump cortou impostos, revogou regulamentações ou os usou como ornamento para uma oportunidade de aparecer, eles aplaudiram sua liderança e sorriram para as câmeras.” (https://oglobo.globo.com/mundo/analise-apoio-dos-grandes-empresarios-favoreceu-desmandos-de-trump-24829628). Texto original: (https://www.nytimes.com/2021/01/07/business/corporate-america-trump-capitol-mob.html)

De fato, além de apoiarem a “agenda” de retomada econômica do Sr. Trump, muitos empresários aceitaram de bom grado integrar comissões governamentais que discutiram, dentre outros temas, reformas tributárias e desregulamentação de importantes setores, como o meio ambiente e o sistema financeiro (https://www.whitehouse.gov/briefings-statements/president-trumps-historic-deregulation-benefitting-americans/).

Isso se deu mesmo depois de graves episódios, como os distúrbios de Charlottesville, envolvendo os “supremacistas brancos” (https://www.nytimes.com/2017/08/14/podcasts/the-daily/charlottesville-white-nationalist-trump.html), e a errática política de enfrentamento da pandemia da COVID-19 (https://www.dw.com/pt-br/trump-minimizou-intencionalmente-a-gravidade-da-pandemia-revela-livro/a-54874239).

Com relação a reforma tributária de 2017 (Tax Cut and Reform Bill), levada a efeito para aquecer a economia com desonerações de impostos que alcançariam a casa do trilhão de dólares, sem dúvida nenhuma ela favoreceu as grandes corporações e os detentores das maiores fortunas dos Estados Unidos (https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/20/internacional/1513749408_053320.html)

No que diz respeito a questão ambiental, o Governo Trump teria flexibilizado cerca de 100 regulações de proteção ao meio ambiente. Segundo as repórteres Nadja Popovich, Livia Albeck-Ripka e Kendra Pierre-Louis, do New York Times, ao longo de quatro anos no cargo, a administração Trump teria desmantelado as principais políticas climáticas e revertido muitas outras normativas sobre a qualidade do ar, da água, da vida selvagem e do controle de produtos tóxicos. Com base em estudos da Harvard Law School e da Columbia Law School, além de outras bases científicas, o New York Times contabilizou a revogação de mais de 70 normativas ambientais, além da revisão de outras 27 ainda não concluídas (https://www.nytimes.com/interactive/2020/climate/trump-environment-rollbacks.html)

* Fonte: NY Times

Por sua vez, no setor financeiro e bancário, o Presidente Donald Trump cumpriu a promessa eleitoral de fazer uma ampla desregulamentação, reduzindo o poder sancionatório da US Securities and Exchange Commission – SEC, aprovando, com o apoio do Congresso, uma série de normas que flexibilizaram deveres contábeis, como a apresentação de relatórios trimestrais aos investidores.

Conforme publicação feita pela Harvard Law School, tais mudanças foram tão radicais que chegaram a ser criticadas por proeminentes nomes do mundo dos negócios, como Warren Buffett e Jamie Dimon. Ademais, concretizou-se a ameaça de “atacar” o Dodd Frank Wall Street Reform and Consumer Protection Act – histórica legislação aprovada em reação à financeira de 2008 –, adjetivada pelo Sr. Trump como um “desastre” que impedia “muitos amigos [dele] de fazer bons negócios”. Em 2018, aprovou-se extensa flexibilização dos deveres de transparência bancária, alteração dos níveis de alavancagem bancária com a redução dos padrões de segurança do Federal Reserve, em detrimento dos interesses dos pequenos investidores. Em suma, concretizou-se uma política governamental indiscutivelmente favorável aos banqueiros ((https://corpgov.law.harvard.edu/2019/02/06/in-corporations-we-trust-ongoing-deregulation-and-government-protections/)

Em síntese, esse breve panorama do que foi o relacionamento do governo do Sr. Trump com importantes setores da economia norte-americana permite afirmar que “tudo tem seu custo”. Sob a perspectiva ética, repetiu-se aquilo que foi tantas vezes visto na História, ou seja, a no mínimo questionável a atitude de empresários e empresas de dar apoio à políticos e políticas que lhes são economicamente favoráveis, olvidando-se de que, no fundo, podem estar coonestando com práticas arbitrárias e antidemocráticas. Essa preocupação é válida não apenas para o Estados Unidos, mas para todos os demais países e, obviamente, para o Brasil.