Brindes, dádivas e o compliance.

Por Artur Gueiros, Coordenador Acadêmico do CPJM.

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16/02/2020.

Uma das questões que mais preocupam aqueles que analisam os programas de compliance diz respeito aos presentes, dádivas ou gestos materiais de gratificação, oferecidos ou recebidos por dirigentes e empregados de uma corporação de/para terceiros com os quais mantenham algum tipo de relacionamento.

Na verdade, cuida-se de uma temática há tempos conhecida pelos estudiosos do Direito Penal, no que diz respeito aos crimes contra a administração pública. Com efeito, quando se analisa a corrupção passiva e a corrupção ativa vem à baila o princípio da adequação social da conduta, que pode excluir a tipicidade ou a antijuridicidade de uma conduta – cf. a predileção dogmática –, quando os brindes acompanham votos de Boas Festas (Natal e Ano Novo), de felicitações pela passagem do aniversário do agente público ou de um familiar (v.g., marido, esposa, filhos) ou outro fato importante (cf. SOUZA, Artur de Brito Gueiros; JAPIASSÚ, Carlos Eduardo A. Direito Penal. Volume Único. 2ª ed., 2020, p. 1021-1022).

Contudo, a legitimidade da benesse pressupõe não somente uma relevante motivação da gratificação, mas também ao valor do regalo. Isso porque, apesar de ser razoável que um dirigente dê uma lembrança de casamento para um servidor público com o qual mantenha uma boa relação de trabalho, caso o objeto em causa envolva uma cifra elevada – por ex., um automóvel de luxo ou uma viagem de lua de mel em vôo de primeira classe para Las Vegas –, isso poderá aproximar o gesto de uma ilícita propina.

Como dito no início desse texto, a controvérsia não é exclusiva dos penalistas, pois os encarregados da elaboração e fiscalização do compliance tentam estabelecer critérios ou balizas para o oferecimento ou recebimento de brindes, tanto para minimizar riscos de corrupção, como para rebarbar possíveis conflitos de interesse.

Por ex., o reformulado Código de Conduta Ética da Petrobras dispõe que seus empregados não estão autorizados a aceitar ou oferecer presentes de e/ou para quaisquer indivíduos, sociedades ou empresas que façam ou pretendam fazer negócios com a empresa (https://petrobras.com.br/pt/quem-somos/perfil/compliance-etica-e-transparencia/).

De forma menos restrita, o Código de Conduta Profissional da Siemens Brasil salienta que a essência de compliance, em qualquer empresa, é a determinação explícita da administração a todos os colaboradores que as leis precisam ser obedecidas e que nenhuma infração será tolerada. Sendo assim, para evitar situações de corrupção, entre outras, aquele documento estabelece normas a respeito de doações e presentes, para evitar conflitos de interesse no fornecimento de serviços, uso indevido de informações privilegiadas e para a proteção dos ativos da empresa. Objetivamente, o Código de Conduta Profissional da Siemens dispõe que apesar de presentes e convites serem habituais no dia a dia, eles não podem exceder certos limites:

“Todos os nossos gestores e colaboradores são obrigados a observar as regras internas sobre este assunto. Todas as contribuições que exigem aprovação devem ser aprovadas em nossa ferramenta mundial interna. Antes de fazer qualquer contribuição para um funcionário do governo ou pessoa ligada, deve ser feito um registro em ferramenta interna para garantir a conformidade com as regras e regulamentos aplicáveis.” (https://new.siemens.com/br/pt/empresa/compliance/prevenir.html).

Como se vê, enquanto umas empresas proíbem terminantemente os presentes, lembranças ou regalos, outras estabelecem mecanismos de razoabilidade, controle e transparência, antes de se efetuar contribuições àqueles com os quais mantenham contatos profissionais ou comerciais.

Sobre o assunto, com o objetivo de trazer clareza e segurança, a Controladoria-Geral da União fixou diretrizes a respeito de oferecimento de hospitalidades, brindes e presentes a agentes públicos. Segundo o órgão, essas diretrizes devem ser incorporadas aos programas de compliance das empresas brasileiras.

De acordo com a CGU, o oferecimento de cortesias a agente público ou pessoas a ele relacionadas pode ser caracterizado como pagamento de vantagem indevida. Sendo assim, se a empresa mantém relações comerciais com outros países ou pretende ingressar no mercado internacional, ela deve ter atenção redobrada nesse assunto, sob pena de se caracterizar o suborno transnacional.

Diante disso, a CGU recomenda muita cautela com a oferta e o pagamento de hospitalidades, brindes e presentes a agentes públicos estrangeiros, pois podem ser entendidos, a depender da situação, como uma vantagem indevida, não somente perante a nossa Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), mas também por outras legislações como, por exemplo, o FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) e o UK Bribery Act. (https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/integridade/arquivos/programa-de-integridade-diretrizes-para-empresas-privadas.pdf)

Mas há situações que não envolvem necessariamente o oferecimento ou recebimento de prendas ou brindes, mas que também suscitam dúvidas. É o que se verificou, recentemente, na Espanha, quando se noticiou que uma importante autoridade da justiça teria aceitado um convite e participado de uma “mariscada” oferecida por um investigado em um conceituado restaurante madrilenho (https://www.vozpopuli.com/espana/corrupcion-dolores-delgado-comida-florentino.html).

A respeito dessa controvérsia, tem-se que é natural que, por razões de negócios, ocorram almoços ou jantares entre dirigentes ou empregados de uma corporação com determinados agentes públicos. Portanto, é preciso que os encarregados de compliance estabeleçam critérios e limites para tais eventos, seja no que diz respeito ao local do encontro (por exemplo, se é permitido ou não jantar em um restaurante de luxo, com estrelas do Guia Michelin), ao tipo e valor da comida ou da bebida a ser consumida, etc.

Sendo assim, é de bom alvitre que, na dúvida, o dirigente ou empregado da empresa faça uma consulta prévia ao oficial de compliance, não somente sobre presentes, dádivas ou mimos, mas também no que envolve o agendamento de eventos ou reuniões de negócios em restaurantes ou locais similares.