EM FOCO

Heloisa Helena Barboza

Entrevista com Heloisa Helena Barboza

Diretora e Professora Titular da Faculdade de Direito da UERJ. Doutora em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Doutora em Ciências pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca – ENSP/FIOCRUZ. Livre Docente em Direito Civil pela UERJ

abril, 2020.

Na sua opinião, quais os principais desafios que se apresentam para o ensino universitário no Brasil?

De início, penso que temos que separar o ensino universitário público do privado, porque, embora estejam submetidos à igual regulamentação, não vivem a mesma realidade e nem tem objetivos prioritários coincidentes. É certo que muitas Instituições de Ensino Superior (IES) privadas concedem bolsas para estudantes, mas não dependem de verbas públicas para tanto, e muito menos para sobreviver, isto é, para pagamento de salários, manutenção, investimento em melhores condições de ensino e principalmente pesquisa. Não se trata apenas de uma questão de recursos financeiros, mas da vocação de cada segmento e da conjuntura sócio-política. Hoje está claro que as políticas governamentais podem ser um grande desafio a ser enfrentado, pois dependemos das prioridades por elas escolhidas. Estamos vivenciando esta situação no momento. Outro desafio existente, se é possível considerá-lo como “outro”, visto que se imbrica com o primeiro, são as deficiências do ensino nos níveis que antecedem a educação superior, isto é, no ensino básico (infantil e fundamental) e médio. Essas deficiências acabam comprometendo a qualidade do ensino superior, uma vez que elas não serão corrigidas pela Universidade, salvo pelo esforço individual. É indispensável destacar que não se repete aqui o chavão segundo o qual “a culpa é do governo”. Devemos lembrar que uma questão sócio-política é, antes de tudo, um problema da sociedade, que na maioria das vezes tem boa parte da população desamparada ou desinformada e, consequentemente, comprometida em suas escolhas. Fecha-se, desse modo, um círculo perverso, que só a educação pode romper. Dar educação constitui, nestes termos, o maior desafio.

Como cientista que realiza investigações na área do Direito, na sua opinião, qual a importância da realização de pesquisas empíricas?

O Direito tradicionalmente não se vale das pesquisas empíricas, infelizmente. Esse tipo de pesquisa, muito utilizada na área da Saúde, permite melhor conhecimento das situações de fato, da verdade social, e por conseguinte avaliação mais justa e adequada das demandas sociais. A ausência dessas pesquisas provavelmente influi e explica o crescente distanciamento, um verdadeiro gap, entre a teoria e a prática ou aplicação do Direito, que se constata em várias áreas jurídicas. A realização de pesquisas empíricas seria de todo importante para modificar a percepção que se tem das pessoas, de suas necessidades e de seus conflitos no convívio social.

Em geral, os programas de compliance são apresentados como “soluções” para questões envolvendo o desvio ou irregularidades no âmbito empresarial. Contudo, a quase totalidade dos estudos comprovando a “eficácia do compliance” são produzidos e publicados por empresas de auditoria ou escritórios especializados em oferecer programas de compliance.
Nesse cenário, qual a importância da realização de pesquisas nessa matéria [efetividade do compliance] por um centro universitário público e isento?

A resposta a esta pergunta vem confirmar algumas das considerações acima feitas. As pesquisas em matéria de compliance, se feitas por Universidades Públicas e com financiamento público, para que houvesse maior isenção, poderiam efetivamente revelar muitos desvios e irregularidades não apenas no âmbito público, como também no empresarial e principalmente nas situações de parceria público-privada, que buscam soluções de grande interesse social, mas muitas vezes se perdem nos desvãos político-administrativos. Dar visibilidade a essas situações, seria uma contribuição de grande importância advinda das referidas pesquisas.

Um dos objetivos do CPJM é o de desenvolver e implementar projetos de extensão universitária, visando uma aproximação com o entorno social, em especial auxiliar as micro e pequenas empresas que dependem, por força de leis federais, estaduais e municipais, da implementação de um programa de compliance para fornecer produtos e serviços para os entes públicos.
Por conta disso, e com sua experiência como pesquisadora, qual a importância da extensão universitária?

A extensão é uma grande, se não a maior, das vocações universitárias. Constitui não apenas a ponte de conexão da Universidade com a sociedade, como também um fértil ambiente para pesquisa, especialmente empírica. Embora ainda não lhe tenha sido dada, pelo menos no campo do Direito, a merecida atenção, seu desenvolvimento vem ocorrendo ao longo do tempo de modo gradual. Contudo, com a implantação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, instituídas em 2018 pelo Ministério da Educação, as quais devem ser observadas pelas Instituições de Educação Superior (IES), a extensão ganha novo impulso, visto que as atividades de ensino devem estar articuladas às atividades de extensão de modo discriminado, integrando o Projeto Pedagógico do Curso, vale dizer, devem integrar o currículo do curso. Este fato, por si só, bastaria para confirmar a importância da extensão.

De que forma o pensamento acadêmico [no caso do CPJM,  as reflexões sobre o direito penal econômico e o compliance criminal] pode se tornar mais atrativo para os alunos da graduação? 

A observação dos alunos de graduação revela um grande interesse pelo cotidiano, pelos fatos que os cercam e que chegam em tempo real através da internet, mesmo para os que não tem acesso a web, por via da informação oral. Contudo, talvez não seja fácil para os alunos de graduação, principalmente para aqueles que estão em início do curso, identificar a importância do compliance criminal. Assim sendo, a análise dos fatos, que pode ser feita a partir do noticiário, ajudará essa identificação, aliada ao esclarecimento das consequências da notícia que passa em geral despercebida, provavelmente será motivo de interesse para os graduandos.