EM FOCO

Leandro Coutinho

Entrevista com Leandro Coutinho

Advogado do BNDES, Professor, Mestre em Direito Público, Conferencista e Presidente o Instituto Compliance Rio IC-Rio. Autor de diversos artigos acadêmicos e do livro “Compliance Anticorrupção, a Lei das Estatais e a Defesa do Estado Democrático de Direito”, publicado em 2018.

abril, 2020

Antes de responder às indagações, devo ressaltar meu orgulho e honra em tomar parte desta iniciativa do Centro de Pesquisa em Crimes Empresariais e Compliance professor João Marcello de Araújo Júnior da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Falo isso em duas perspectivas. A primeira por poder compartilhar conhecimentos com profissionais e acadêmicos tão engajados, o que por si só já é ótimo para qualquer pesquisador. Mas também porque tive o prazer de ter sido aluno do saudoso professor João Marcello na minha graduação na Uerj. A rigor, tão importante foi o papel do professor na nossa formação, que resolvemos homenageá-lo na formatura como o nome da turma.

Feito esse destaque inicial e registrando a minha alegria em participar desta enquete, trago minhas respostas às perguntas que me foram formuladas. Vamos a elas:

Na sua opinião, o que são os programas de compliance?

Poderíamos iniciar a resposta com outra indagação: o que é compliance?

Para muito além do “cumprir ou estar de acordo” com todo o conjunto normativo, como leis, regulamentos etc, conceito que estaria embutido na simples tradução do termo do inglês, o compliance tomou – e isso é muito positivo – outra abordagem. Refiro-me à questão da integridade, com toda sua valoração ética e principiológica.

Em outras palavras, para além da conformidade, há que ser entendido o compliance como o compromisso com o agir de forma ética, honesta, proba e propriamente íntegra, o que extrapola o mero “cumprir as leis”. Nisso se inserem questões como responsabilidade socioambiental, compromisso com a isonomia de oportunidades, não discriminação e tantas outras.

Se todos esses temas compõem o compliance, o programa de compliance, que na legislação brasileira recebeu o nome de programa de integridade (art. 41 do Decreto no. 8.420/2015), significa o conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Vale destacar que o citado Decreto traz em seu artigo 42 todos os parâmetros que devem ser considerados na avaliação dos programas de integridade.

Qual a sua importância?

Devo destacar que sou suspeito para responder, por ser profissional e pesquisador do tema, o que reflete meu envolvimento com a matéria. Mas mesmo assim faço questão de dizer, superando o eventual conflito de interesses, que a importância é vital.

O mundo atual já não mais compactua com as ações e práticas que não respeitem o compliance. Não digo com isso que elas não existam aos montes, mas ressalto a percepção da sociedade sobre elas.

Poderia, para ser mais preciso, citar o caso brasileiro. Depois dos inúmeros escândalos de corrupção que afloraram nos últimos anos (e mesmo décadas) o tema da integridade passou a ser pauta diária e de suma importância.

Não por outra razão, pesquisas de opinião e campanhas eleitorais, para citar dois exemplos, deixam claro que a população olha o tema como muita atenção. Restou claro para todos que a corrupção – prática contrária ao compliance por definição – retira da população o direito de usufruir dos serviços públicos mais básicos, além de gerar desemprego e perda de renda, dado o estrago que causa na economia.

Como o Sr. vê a adaptação das organizações públicas e privadas brasileiras para com o compliance?

Vejo panoramas distintos.

Se as grandes organizações privadas (internacionais e mesmo nacionais) já buscaram se adaptar e praticar os conceitos relacionados ao compliance, com a adoção de políticas, códigos de ética, indicação de diretores de compliance e integridade, destinação de orçamento robusto para ações desse tipo etc, o mesmo não pode ser dito para micro e pequenas empresas (MPE), que correspondem a mais de 90% das pessoas jurídicas em nosso país.

Para as grandes, podemos afirmar que vale a máxima “se você acha que compliance é caro, imagine não compliance”. Os exemplos das grandes condenações por práticas ilícitas aqui e fora comprovam essa tese.

Para as empresas menores, por sua vez, é comum se ouvir que o custo advindo da adoção de práticas de compliance pode ser tido por muito alto ou mesmo impagável. Na luta pela sobrevivência no emaranhado normativo, tributário e de crédito, pode parecer a elas que esse tema não faz parte da sua realidade. Práticas como as da Alliance for Integrity (https://www.allianceforintegrity.org/pt/) e de outras tantas ações coletivas voltadas para o público das MPE tentam desmistificar essa percepção, mas devemos reconhecer que ainda é um processo longo. A boa notícia é que existe grande quantidade de material gratuito e de boa qualidade disponível na internet para auxiliar as MPE a adotar o compliance.

Voltando os olhos para os entes e organizações públicas, podemos também ver realidades díspares.

Enquanto no âmbito da administração federal, notadamente nas empresas públicas e sociedades de economia mista, podemos dizer que já é uma realidade a adoção do compliance, o mesmo não pode ser dito das realidades estaduais e municipais. Acrescente-se que tal distinção também deve ser citada quando se fala na Administração Pública Direta. O papel da CGU no âmbito federal, que vem sendo replicado em algumas administrações locais por meio das Controladorias Gerais dos Estados e algumas municipais, faz com que a Administração Pública Federal demonstre maior avanço quando se tratam das questões de adaptação ao compliance.

Mas como disse, são várias realidades distintas, tanto quando se compara o privado grande com o privado pequeno quanto o privado com o público e mesmo os diversos públicos que existem numa federação tão grande quanto a brasileira.

No seu entender, qual será o futuro dos programas de compliance ou conformidade no Brasil?

Creio que o tema tomou a relevância que merece, pelas razões que expus acima, e, por isso, ainda vejo espaço para crescer muito e se tornar efetivamente presente no Brasil. Não podemos retroceder.

Se retomarmos o tema das MPE e das municipalidades, por exemplo, encontraremos um enorme espaço de expansão dos programas de compliance e conformidade no nosso país.

Grande parte da atuação do Instituto Compliance Rio – ICRio (www.icrio.org), entidade sem fins lucrativos que tenho a honra de presidir desde de 2018, tem por objetivo fomentar boas práticas e ações, privadas e públicas, relacionadas aos temas da ética, integridade, conformidade e compliance. Estamos fazendo nossa parte para que futuro dos programas de integridade seja promissor.

De que forma a academia pode auxiliar as empresas e os profissionais que trabalharam nessa área?

Imagino que o papel da academia é muito importante.

A produção acadêmica sobre o tema do compliance e da integridade ainda é pequena. Testemunhei isso enquanto efetuava minha pesquisa para dissertação de mestrado, que deu ensejo ao livro: Compliance Anticorrupção, a Lei das Estatais e a Defesa do Estado Democrático de Direito, publicado em 2018.

Então produzir livros, artigos, papers e ensaios sobre o tema são uma relevante ação que compete à academia. Até para que evitemos a importação de modelos internacionais que podem não se adaptar às nuances da sociedade brasileira.

Outra frente possível é o estímulo ao debate entre os pesquisadores e os profissionais. O conhecimento empírico dos agentes de mercado e dos profissionais de compliance é essencial, mas a discussão teórica sobre vários institutos, como por exemplo o papel de garante que alguns veem para esse mesmos profissionais de compliance nas empresas, deve ocorrer na academia para que se desenvolva sem as amarras e urgências da realidade empresarial.

Em resumo, vejo espaço e grande relevância para a atuação da academia. Até por isso, mantenho e desenvolvo pesquisas sobre essa temática.

Gostaria de acrescentar algo que considere importante ou pertinente?

Só reforçar o orgulho que senti quando do convite e o prazer de participar dessa entrevista. Estou à disposição para auxiliar em outras oportunidades sempre que julgarem necessário.

Meu muito obrigado pela oportunidade!