EM FOCO
Jesse Eisinger

Entrevista com Jesse Eisinger
Repórter Senior e Editor da ProPublica. Ganhador do Prêmio Pulitzer e autor do best-seller “The Chickenshit Club: Why the Justice Department Fails to Prosecute Executives”.
agosto, 2020
Qual é a opinião do Senhor sobre o desempenho do DOJ [Department of Justice ou Procuradoria dos EUA] em relação aos crimes corporativos? Desde a publicação do seu livro (“The Chickenshit Club: Why the Justice Department Fails to Prosecute Executives”), houve alguma mudança na atuação do DOJ? O Governo do Presidente Donald Trump influenciou essa questão?
A Procuradoria [DOJ] perdeu a vontade e a capacidade de processar grandes criminosos corporativos – e isso subestima a questão. Não se trata apenas do que ocorreu na crise financeira e não apenas sobre os grandes bancos. Esse problema estava crescendo antes da crise financeira de 2008 e persiste até os dias de hoje. Perdemos a vontade e a capacidade de processar os altos executivos, não apenas dos grandes bancos, mas também de empresas farmacêuticas, industriais e de tecnologia. A lista continua. E nos últimos anos, durante os escândalos da Administração Trump, vimos que, na verdade, setores inteiros da economia estão sem fiscalização no mundo do colarinho branco. Pense em imóveis de luxo, lobby político, grandes fraudes fiscais e financiamento de campanha.
Desde a publicação do livro, as coisas pioraram muito. A Administração Trump partiu para um verdadeira greve em termos de regulação e persecução penal. Os processos de crimes do colarinho branco estão nos mais baixos níveis históricos.
Na opinião do Senhor, haveria excesso de formalização de acordos (DPA e/ou NPA) entre o DOJ e as empresas e/ou executivos investigados por fraude corporativa (ou por má conduta)?
Sim, os DPAs e outros acordos são um problema. Eles substituíram aparência de responsabilidade [accountability] pela responsabilidade real. As empresas pagam os valores estipulados nos acordos e não há outras consequências significativas. Para elas é um custo de se fazer negócios. E os acordos não impedem crimes corporativos. Sabemos disso porque vemos corporações reincidentes que fazem vários acordos e continuam a infringir a lei e os regulamentos.
Com uma grande incidência de acordos, a capacidade dos Procuradores dos EUA de litigar na Justiça Criminal se enfraqueceu? Isso ainda é verdade?
O outro problema com os DPAs é que eles levaram a uma erosão do conjunto de habilidades. Os Procuradores estão perdendo o conjunto de habilidades para investigar os executivos individuais. Se você está na expectativa de um acordo com a corporação, não se trata do mesmo tipo de investigação que você faria se estivesse investigando um indivíduo. Vai levar muito mais tempo para investigar um indivíduo, e você vai ter que se preparar para uma briga, porque uma pessoa física vai querer lutar muito mais do que uma corporação.
Os Procuradores têm medo dos tribunais e dos julgamentos, especialmente contra adversários muito bem custeados financeiramente. Parte do motivo do receio decorre de ser um processo arriscado – os procuradores podem perder a causa e sofrer consequências adversas nas suas carreiras. A outra parte do motivo é que eles têm muito menos experiência. Os Promotores na década de 1970 realizavam cerca de 8 julgamentos por ano. Agora, eles fazem cerca de 0,25 julgamentos por ano.
Diante do poderio das grandes corporações, qual seria a melhor estratégia para os Procuradores criminais diante das suspeitas da prática de crimes?
Este é um problema altamente complexo com muitas soluções. Aqui estão algumas das minhas propostas:
- Concentrar-se novamente nos processos contra os indivíduos principais responsáveis pelos crimes [pessoas do alto nível na estrutura empresarial]. Não como uma medida coadjuvante, mas como missão fundamental do trabalho.
- Adotar estratégias diferentes de investigação: concentrar-se em fazer executivos de baixo escalão mudar de lado, usando táticas agressivas.
- Selecionar Procuradores de forma diferente. Diversificar geograficamente a contratação, procurar profissionais longe das faculdades de Direito de elite. Contratar pessoas com experiência profissional muito mais diversificada. Contratar pessoas que saíram de bancas de advogados de defesa e que não irão voltar. Contratar os advogados dos autores das ações [conhecidos como plaintiff’s lawyers] contra as corporações, advogados que defendem interesses coletivos e defensores públicos. Contratar profissionais mais velhos, não apenas jovens em sua maioria.
- O DOJ deveria desenvolver um uso mais agressivo dos dispositivos legais, como o instituto da cegueira deliberada e da “scheme liability” [algo como uma regra que proíbe a disseminação de declarações falsas com meio de fraudar transações com valores mobiliários].
- Mais aderência às normas. O DOJ precisa analisar quais estatutos foram alterados, quais práticas foram alteradas e como ele deve abordar essas mudanças.
- Pressionar ao Congresso para preencher as deficiências das leis.
- Exigir mais recursos. Os Procuradores devem ser pagos de uma forma que lhes permita ter estilos de vida abastados nas cidades mais caras da América. Calculo isso em U$ 450.000 para os melhores.
- Acordos com corporações devem ser considerados como último recurso e usados apenas em ocasiões especiais.
- Rejeitar o uso de investigações internas. O “segredinho sujo” da investigação e aplicação da lei na América hoje é que nós a terceirizamos e privatizamos para as próprias empresas. As empresas se autorregulam contratando escritórios de advocacia de prestígio para conduzir as suas investigações. O interesse do escritório de advocacia não é eliminar os malfeitores executivos, mas isolá-los e garantir mais deste lucrativo trabalho investigativo para o futuro. Os Procuradores dependem excessivamente dessas investigações. As empresas devem conduzir diretamente as suas investigações internas. O DOJ precisa quebrar a dependência desses escritórios de advocacia de prestígio. Isso requer um revigoramento total das funções investigativas, não apenas do FBI, mas também de outras agências reguladoras financeiras e corporativas: OCC, FDIC, Fed, SEC, FDA, OSHA, etc.
Os acordos e estratégias de leniência foram disseminados dos EUA para outros países. Como o Senhor vê a “exportação” desse modelo de persecução penal?
Sim, eu vi isso ocorrer no Reino Unido. Mas não sei muito sobre as práticas que estão sendo exportadas para outros lugares. Acho que está sendo feito, em grande parte, porque é mais fácil chegar a um acordo com o pagamento de dinheiro por parte de uma empresa do que conseguir provar uma acusação em um caso criminal. Mas isso não significa dizer que os acordos são boas ideias.
No Brasil, recentes reformas legislativas ampliaram a possibilidade do Ministério Público fazer acordos semelhantes àqueles da lei americana. O que devemos fazer para evitar cometer os mesmos erros?
Vejam minha lista de soluções. Na prática é preciso enfatizar a persecução penal contra indivíduos dentro das corporações e evitar deixar que somente elas próprias se policiem.