EM FOCO

Jorgete Vitorino

Entrevista com Jorgete Vitorino

Senior Legal Counsel e Compliance Officer da OSRAM GmbH

[A entrevista retrata a opinião exclusiva da advogada, não da OSRAM GmbH ou de empresas onde já trabalhou]

agosto, 2020

Poderia nos explicar como é o funcionamento dos programas de Compliance nas grandes empresas européias, em especial na Alemanha?

Grandes empresas européias, sobretudo as cotadas na bolsa de valores, possuem um programa de Compliance que se estende às suas subsidiárias e que é normalmente desenvolvido pela holding.

No que diz respeito a sociedades anônimas na Alemanha, Compliance é vista como parte da tarefa de gestão do Conselho de Administração. De acordo com o § 76 (1) da Lei das Sociedades Anônimas alemã, o Conselho de Administração deve administrar a empresa sob sua própria responsabilidade e a seu próprio critério. O Código Alemão de Governança Corporativa (DCGK) também coloca esta função geral de administração corporativa no topo das atribuições do Conselho de Administração. De acordo com a visão predominante hoje, este dever de gestão inclui não apenas a observação das exigências legais na administração da própria empresa, mas também o asseguramento de que todas as normas legais relevantes sejam observadas em todos os departamentos e por toda a organização (em grupos empresariais onde haja responsabilidade gerencial). Este entendimento da Compliance como parte da tarefa de gestão também está subjacente no DCGK. Assim, o funcionamento de Compliance se inicia no topo, com aquilo que chamamos de “tone from the top” e se alarga por todos os departamentos da empresa (holding) e suas subsidiárias. O entendimento predominante hoje é de que também é recomendável às sociedades anônimas não cotadas em bolsas de valores que sigam o prescrito pelo Código alemão de Governança Corporativa.

A forma de se implementar um programa de Compliance é livre e baseado no risco empresarial. E como, apenas a título de exemplo, o foco de risco de uma empresa fabricante de veículos é diverso de outra que fabrique material hospitalar, a maneira com que ambas as empresas lidam com os seus principais riscos é refletido em seus programas de Compliance, que por sua vez é replicado por todas as suas subsidiárias.

Existem, ainda assim, pontos em comum no programa de Compliance de empresas com focos de risco diversos?

Certamente: Na melhor das hipóteses, existe muito além do que um “commitment”, ou seja, o gerente geral apóia integralmente o programa de Compliance com ações concretas, se referindo a ele em discursos dirigidos a todos os funcionários da empresa, por exemplo no início de um novo ano fiscal. Ou através de vídeos, ao longo do ano, em que a diretoria geral dê exemplos práticos do assunto para funcionários da empresa que atuam em áreas de riscos diversos. A diretoria pode ainda vincular o pagamento do bônus anual dos gerentes ao seguimento das normas de Compliance desenvolvidas pelo departamento de conformidade. Também é recomendada a implementação da pena de multa pela não realização de treinamentos de Compliance por colaboradores.

Há uma série de tarefas que são desenvolvidas e levadas a cabo por especialistas na área de Compliance, independentemente do departamento onde atuam (departamento de Compliance, Auditoria, Recursos Humanos, Jurídico, Financeiro, etc.). Alguns exemplos podem ser mencionados:

  • Treinamento de colegas e parceiros de negócios externos, em áreas cuja atividade possa apresentar risco para a sociedade;
  • Consultoria para todos os funcionários que se dirigem com perguntas como agir em um caso concreto, relacionado a assuntos de responsabilidade do departamento de Compliance (Anticorrupção, Antitruste, Prevenção à Lavagem de Dinheiro, Marcas e Patentes, Proteção de Dados, Responsabilidade Civil causada por falha do produto, etc.);
  • Condução de “due diligence” apropriada a futuros parceiros de negócios que se encaixem dentro de critérios pré-estabelecidos, assim como o monitoramento dos mesmos durante toda a fase contratual;
  • Auditoria de parceiros de negócios;
  • Avaliação, dentro de prazos pré estabelecidos dos seus próprios programas de Compliance através da condução de “risk assessments“, incluindo o ajuste e correção de “findings” encontrados;
  • Implementação de medidas de marketing que visam a promoção e difusão do sistema de Compliance entre todos os departamentos;
  • Investigações oriundas de violações a regulamentos internos que tenham sido ou não informadas através de “whistleblowers”, “hotlines” ou qualquer outro canal de denúncias desenvolvido para esse respectivo fim;
  • Atuação em transações de M&A tanto na primeira fase, como base para a decisão relacionada à compra do target, quanto na pós-integração, garantindo que o programa de conformidade da holding seja integralmente implementado na nova subsidiária; (Lembrando-se aqui que a due diligence levada a cabo pelo especialista na área de Compliance é atribuída à área das funções de dever da administração do comprador (Diretoria Executiva). Por outro lado, para o vendedor, a questão surge no processo de due diligence sobre quais informações ele pode divulgar sem violar leis aplicáveis ou acordos com terceiros.)
  • Feedbacks constantes com a diretoria da holding e subsidiárias, assegurando a troca de informação e possibilitando que o especialista da área de Compliance esteja envolvido desde o surgimento ou expansão de novos negócios ou situações de riscos ainda em formação;
  • Desenvolvimento de diretrizes em relevantes áreas de risco, que permitam ao funcionário saber como se comportar e agir diante de um caso concreto;

Somado às atividades desenvolvidas pelo departamento de Compliance ao longo do ano que eu acabei de falar (e não são todas), grandes empresas européias, cotadas ou não nas bolsas de valores possuem um código de ética e conduta para funcionários e fornecedores e obrigam os dois últimos por escrito a segui-los como base para a parceria. A auditoria do parceiro de negócio também é incluída aqui.

De forma geral pode ser dito que o sistema de Compliance das empresas é desenvolvido para evitar o possível cometimento de violações através de um programa sustentável, detectá-las, caso já tenham ocorrido e, se necessário, implementar ações apropriadas que impeçam sua repetição ou cometimento futuro.

De que forma a cultura de compliance é difundida entre dirigentes, empregados e colaborados das empresas?

Isso depende do DNA de cada empresa, de como valores éticos são transportados aos funcionários, da disseminação de valores do que se considera ser correto entre colaboradores de todas as hierarquias e em todo o grupo empresarial, da vivência diária da conscientização desses valores e da sua prática efetiva dentro da empresa. Compliance se inicia com uma cultura empresarial ilibada e de valores positivos, o que naturalmente contribui para a redução de infrações a regulamentos internos e o cometimento de crimes. Somado a isso há uma série de medidas que podem e devem ser levadas a cabo para que essa mensagem chegue a funcionários e gerentes. O exemplo começa, no entanto, no topo da organização, com os membros do Conselho de Administração de uma sociedade anônima ou o Gerente Geral em uma sociedade por cotas de responsabilidade limitada, além de demais gerentes que possuam funcionários sob a sua responsabilidade, seguido dos colaboradores em si.

Apenas como efeito de ilustração e embora contando já com certa idade, gostaria de comentar sobre um material interessante publicado pela PWC em cooperação com a Martin-Luther-Universität e Halle Wittenberg do ano de 2010, que apresentava resultados de uma pesquisa baseada na definição e cultura empresariais feita em grandes empresas alemãs durante o ano de 2009. A pesquisa demonstrava que os entrevistados tinham em média 45 anos, trabalhavam em torno de 12 anos na referida empresa e ao tempo do cometimento da infração ocupavam o mesmo cargo há 8 anos. A pesquisa concluía que infratores econômicos não eram recém formados, mas haviam “crescido” na própria empresa. Por isso, a cultura de uma empresa pode tanto colaborar para com o surgimento de atos criminosos, como ser co-responsável para a falta de sucesso de medidas de Compliance. Valores disseminados objetivam pregar aquilo que é visto como correto e aceitável por parte da organização. Existem estudos de psicologia industrial e organizacional que confirmam estas conexões entre as normas percebidas nas organizações e as atitudes e comportamento dos funcionários. (Überblick in Kai-D. Bussmann, Compliance in der Zeit nach Siemens – Corporate Integrity, das unterschätzte Konzept, in: Betriebswirtschaftliche Forschung und Praxis (BFuP), 2009, Heft 5, S. 506-522)

No trabalho, pesquisadores entrevistaram funcionários sobre os temas “atmosfera da equipe”, “a vontade, entendida como a liberdade de se comunicar os erros” e “a tolerância às violações das regras”.

As empresas com uma cultura desfavorável são assim caracterizadas por uma coesão de equipe mais fraca, um controle social mais formalizado e uma relativa indiferença em relação às violações das regras. Portanto, é plausível que em uma cultura corporativa deste tipo não apenas a aceitação de medidas preventivas como o programa de conformidade e o sistema de denúncia seja menor, mas que ainda várias formas de crimes de colarinho branco também possam ocorrer.

Empresas com uma cultura considerada acima da média, conseguem mais freqüentemente comunicar de forma convincente sua rígida política de anticorrupção ao mundo exterior. Seus funcionários parecem mais “incorruptíveis”. Eles se vêem significativamente menos frequentemente em situações de potencial suborno. (PricewaterhouseCoopers, Compliance und Unternehmenskultur. Zur aktuellen Situation in deutschen Großunternehmen, 2010, S. 37)

Além disso, este estudo também mostrou que as empresas com uma política de anticorrupção rígida, inserida em uma cultura corporativa positiva e benéfica, perderam menos, e não mais oportunidades de negócios para os concorrentes. (PricewaterhouseCoopers, Wirtschaftskriminalität 2007 – Sicherheitslage der deutschen Wirtschaft, S. 46; vgl. Zum Forschungsstand Johann Graf Lambsdorff, The Institutional Economics of Corruption and Reform, Cambridge, 2007, S. 174 f.) As empresas do grupo com uma cultura empresarial positiva também têm um saldo (monetário) de perdas mais favorável. Elas perderam uma média de 4,72 milhões de euros por causa de crimes de colarinho branco enquanto as empresas com uma cultura abaixo da média perderam 7,71 milhões de euros. Os custos de gerenciamento associados também se revelaram significativamente mais baixos. (PricewaterhouseCoopers, Compliance und Unternehmenskultur. Zur aktuellen Situation in deutschen Großunternehmen, 2010, S. 42)

Esse último aspecto considero ser de suma importância, porque todo Compliance Officer já escutou do departamento para o qual presta consultoria a frase: “Mas o concorrente faz assim. Por quê nessa empresa o Compliance Officer bloqueia o nosso projeto?” Ou seja, haver uma prova científica de que uma política rígida de anticorrupção não contribui para a perda de negócio reforça o trabalho do departamento de Compliance e contribui para a continuidade de uma cultura empresarial economicamente sustentável.

Existe distinção de Compliance entre as modalidades de riscos a serem evitados (Antitrust, Ambiental, Corrupção, Lavagem de Capitais, dentre outros)?

Existem pontos comuns e distintos. Entre os pontos comuns se destacam os treinamentos, a condução de risk assessments seguida da remediação de eventuais findings, a prestação de consultoria, a condução de investigações, os frequentes encontros entre e a diretoria e os funcionários do departamento de Compliance, entre muitos outros.

Em virtude de exigências legais especiais, existem temas que exigem medidas de Compliance específicas. Se tomarmos como exemplo a aérea de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo, a atual diretriz européia exige de revendedores de determinados bens que se conduza screenings de funcionários em áreas consideradas sensitivas. Dessa forma, é dever do Anti-Money Laundering Officer ou a quem tenha sido delegada a tarefa de minimização do risco nessa área, que seja capaz de identificar esse grupo de funcionários e levar a cabo uma pesquisa que assegure que nenhum desses colaboradores esteja envolvido em crimes pré-relacionados a essa atividade ou conste de listas de pessoas envolvidas ou procuradas pelo cometimento de atos terroristas. Essa tarefa não existe na área do Direito Antitruste, por exemplo.

Tomando como segundo exemplo a área de Proteção de Dados e nos termos do art. 30 do Regulamento Alemão Básico da Proteção de Dados, a DSGVO (Datenschutzgrundverordnung), as empresas são obrigadas a manter um registro das atividades de processamento de seus dados (lista de atividades de processamento) e a disponibilizá-los às autoridades de supervisão, mediante solicitação. De acordo com a exposição de motivos 82, isso se destina, por um lado, a servir como prova de conformidade diante da regulamentação, a fim de concretizar a responsabilidade geral do Art. 5 (2) DSGVO e, conseqüentemente, ajudar a parte sujeita à obrigação de fornecer provas. Também aqui a tarefa do Compliance Officer na preparação e controle desses dados em registro apropriado é singular e não se aplica a outras áreas.

Assim, não existe uma receita pronta de implementação de Compliance que se encaixe a todas as áreas do risco empresarial.

Como funciona o sistema de certificação empresarial na área de Compliance? Quais são suas vantagens e desvantagens?

Antes de se decidir a favor ou contra uma certificação empresarial na área de Compliance, é importante ter em mente o que se espera obter e, averiguar se vale a pena o esforço a ser efetuado pela empresa ou grupo empresarial na obtenção da certificação, os altos custos envolvidos e se as expectativas anteriormente existentes serão alcançadas após a obtenção da mesma. Fato é que uma certificação não exculpa a gerência nem a empresa da sua responsabilidade pelo cometimento de danos causados, nem atesta que a empresa havia tomado todas as possíveis precauções necessárias para o impedimento do cometimento de infrações a leis e regulamentos internos anteriores à certificação, tampouco diminui a pena de multa em casos individuais pelo cometimento de infrações. Como é do conhecimento de todos, isso só pode ser obtido com um sistema de gerenciamento de Compliance (Compliance Management System – CMS) que funcione.

Entretanto, há razões que podem levar uma organização a se decidir por uma certificação: Se um sistema de Compliance foi implementado há muitos anos, pode valer à pena obter a reavaliação do mesmo através de um terceiro imparcial, com experiência suficiente tanto na técnica de certificação quanto na Compliance, que permita a continuação do contínuo desenvolvimento do sistema.

Ou a decisão em se certificar pode advir do fato de a Gerência Geral da empresa ou de Compliance haver recentemente assumido essa nova posição e querer ter certeza do nível de profundidade do sistema que foi implementado antes da sua chegada na empresa, para que possa dar continuidade ao seu desenvolvimento, após receber as devidas recomendações dos auditores. Mas não apenas isso: Se o Diretor Geral de Compliance ou do grupo empresarial tem seu CMS certificado e uma infração anterior à certificação vem ao conhecimento público, ele não poderá ser responsabilizado por falta de participação, que ficará comprovada com a data da certificação.

Outra razão que também pode levar à decisão de se certificar é o nível de risco empreendido em um determinado ramo de atuação ou negócio específico na empresa. Então, é razoável se decidir por uma certificação se se alarga uma atividade em um mercado pré-definido, após a devida implementação da última fase em um projeto de M&A (integração).

Adicionalmente, embora não seja esse o seu objetivo, a condução de certificação pode levar indiretamente ao descobrimento de infrações cometidas no interior da empresa. Isso permite à diretoria e ao departamento de Compliance assegurar a punição do(s) funcionário(s) em questão.

Sem dúvidas uma empresa que se dispõe a certificar demonstra seriedade no seu trabalho de gerenciamento e minimização de riscos empresariais, reforça sua capacidade de concorrência, diante de outras organizações do mesmo porte e consequentemente, destaca uma ilibada reputação no mercado. Por consequência, deve estar aberta à adaptação de seu sistema com a obtenção da certificação ou disposta a adaptar o CMS para que possa obter a certificação.

Dessa forma e, diante do que acabou de ser dito, se uma organização ainda assim se decidir pela certificação na área de Compliance, o primeiro passo a ser dado é o estreitamento do âmbito do que se planeja certificar, já que se é considerado improvável certificar um sistema de gerenciamento de Compliance como um todo, tomando por base aqui um grupo empresarial de atuação multinacional no mercado. Assim, deve-se definir os temas (Anticorrupção, Direito da Concorrência, Compliance do Produto, Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo ou qualquer outro que faça parte do sistema de Compliance da empresa e que se deseje colocar em prova), as regiões (América do Sul, o Brasil, Alemanha ou um grupo de países que realmente faça sentido ser objeto de análise por um auditor externo), a firma de auditoria com quem se pretende trabalhar (devendo lembrar que, para não incorrer em um conflito de interesses e falta de transparência durante a certificação, a empresa de auditoria que conduz a prova que leva à certificação não deve ser a mesma que prestou a consultoria, quando da implementação do CMS, caso o último caso proceda), e ainda a/as normas objeto da certificação. Por último, saliento que uma empresa deve estar disposta a aceitar seus pontos fracos identificados e aplicar as recomendações obtidas pelos auditores que identificaram lacunas no sistema. Só assim a certificação faz sentido.

Quais seriam as normas que a certificação empresarial pretende verificar?

Há três normas:

O IDW PS 980, conhecido sobretudo na Alemanha, que avalia os seguintes temas:

– Cultura de Compliance;

– Objetivos de Compliance;

– Organização de Compliance;

– Riscos de Compliance;

– Programa de Compliance;

– Comunicação de Compliance e

– monitoramento e melhoria de Compliance.

Os sete elementos que acabei de mencionar interagem na prática uns com os outros e não devem ser entendidos como critérios rígidos de exigência da certificação, mas como objetos que possibilitam adaptação e alinhamento com o CMS (Compliance Management System) estabelecido pela empresa que pretende submeter seu programa de Compliance à prova. Essa norma de certificação não especifica deliberadamente nenhuma forma concreta ou medidas obrigatórias, de forma que tanto o setor quanto o tamanho da empresas que pretendem submeter seu CMS à análise do auditor externo podem ser levados em consideração.

Além disso, há três níveis de prova do CMS, que refletem desenvolvimentos típicos da estrutura do programa de gerenciamento de Compliance, da seguinte forma:

  • Nível 1: Revisão do Projeto do CMS, compreendendo a existência e documentação de todos os sete elementos básicos de um sistema de Compliance.
  • Nível 2: Revisão da Adequação do CMS, entendido pela adequação das medidas descritas com um grau de certeza suficiente para detectar e prevenir violações significativas das regras implementadas. Adicionalmente, a implementação das medidas e elementos básicos também está incluída aqui.
  • Nível 3: Revisão da Eficácia do CMS, formado pela eficácia dos princípios e medidas implementadas no sistema de gerenciamento de Compliance.

Um sistema de gerenciamento de Compliance totalmente funcional, adequado e eficaz só pode ser certificado no nível 3. A revisão da adequação do projeto também pode ser auditada e certificada de acordo com o IDW PS 980, caso não se pretenda obter um nível tão profundo de certificação.

A segunda norma usada na certificação é a ISO 19600, que não certifica sozinha e, por isso, pode ser e geralmente é combinada com a IDW PS 980, com o objetivo de dar um caráter internacional à certificação. Ela é usada por grupos empresariais formados por subsidiárias mundialmente, onde uma certificação através do IDW PS 980 seria pouco conhecida (pelo fato dessas empresas estarem localizadas fora da Alemanha).

A terceira norma é a ISO 37001, que certifica apenas sistemas de gerenciamento do tema anticorrupção. Essa certificação recomenda boas práticas no que diz respeito à prevenção, detecção e reconhecimento da corrupção. É apoiada pelo Global Compact da United Nations e, portanto também reconhecida internacionalmente, embora pouco usada na prática. Ela substituiu a norma inglesa BS 10500.

Existe distinção entre os sistemas de certificação conforme o tamanho das empresas?

Embora a norma IDW PS 980 tenha se estabelecido na certificação da Compliance empresarial para todas as áreas de negócios e organizações de todos os tamanhos,  ela é mais direcionada à empresas de médio e grande porte. A complexidade da certificação exige uma sofisticação e desenvolvimento do sistema de Compliance que fará pouco sentido para uma empresa de pequeno porte. Também não há como negar que, como a área de risco de uma pequena empresa é tendencialmente menor do que empresas de médio e grande porte, uma certificação fundada na norma IDW PS 980 fará pouco sentido. Além dos custos, que são, até mesmo para grandes empresas, bastante onerosos. De melhor aplicação e viabilidade econômica seria o uso de um possível custo de uma certificação feita por um auditor externo no desenvolvimento e ampliação do próprio sistema de Compliance por uma empresa de pequeno porte.

A ISO 19600 possibilita a certificação de um sistema de gerenciamento de conformidade não apenas em grandes empresas. Também as pequenas e médias empresas podem usar a ISO 19600 como orientação para a certificação, pois ela é adequada para todos os tipos de organizações. Também existe a possibilidade de se usar a ISO 19600 para a certificação tanto de empresas inteiras como sub-áreas, sites e departamentos. A ISO 19600 segue o modelo e ciclo PDCA (plan, do, check, act) de melhoria contínua (planejar, implementar, verificar, adaptar), tipicamente usado na gestão da qualidade. A certificação através da ISO 19600 atesta que a empresa trabalha em conformidade com a lei, de forma transparente e confiável.

A ISO 37001 é uma norma internacional extremamente adaptável e pode ser utilizada por uma ampla gama de diferentes tipos de organizações:

  • Empresas de qualquer tamanho podem certificar seu sistema de prevenção a corrupção,
  • Fundações e associações, e
  • Outras organizações – independentemente de serem privadas ou públicas.

Em que consiste o D&O seguro? Como ele tem sido oferecido e/ ou solicitado pelos profissionais que atuam nas empresas alemãs e/ou européias?

O seguro D&O (Directors and Officers) é um produto que existe há mais de 30 anos no mercado (incluindo nesses números países como a Alemanha, os Estados Unidos, o Canadá, entre outros), mas que nos últimos anos vem ganhando mais atenção e popularidade, tanto dos dirigentes empresariais como dos colegas que atuam na área de Compliance. Trata-se de um seguro de responsabilidade civil profissional para gerentes.

Hoje, cada vez mais gerentes e profissionais da área de Compliance asseguram-se da existência de um seguro D&O antes de assinarem um contrato de trabalho, o que faz sentido. Até porque, no mundo atual, os riscos pelo cometimento de infrações gerados pelos desafios econômicos, mas também pela complexidade de leis de diversos países onde empresas multinacionais atuam, são cada vez maiores.

Há diferentes maneiras de se responsabilizar um gerente: O caso mais comum é através da chamada responsabilização interna. Neste caso, a empresa para a qual o gerente trabalha, reclama a indenização do mesmo, porque ele violou suas obrigações para com a empresa nos termos do contrato de trabalho e/ou uma obrigação derivada da posição que ocupa enquanto membro de um órgão interno (Conselho de Administração ou Supervisão/Fiscal, por exemplo. Hoje se recomenda o alargamento do seguro D&O também para diretores que ocupem cargos de gerência, que detenham procuração da empresa para representá-la perante terceiros, assim como todos os demais funcionários que possam ser responsabilizados como a Diretoria Geral, incluindo o Chief Compliance Officer. Segurar os Compliance Officers também é possível).

Além da responsabilidade interna, existe também uma responsabilidade externa dos diretores e funcionários perante terceiros, cujos efeitos dessa são, na prática, menores e podem ocorrer se a empresa estiver em desequilíbrio econômico (por exemplo, quando  autoridades (fiscais, instituições de previdência social, etc.) reivindicam a indenização diretamente da empresa).

Ambas as modalidades são cobertas pelo seguro D&O. Assim, o seguro protege o patrimônio privado dos administradores no caso de ações contra eles, quer tenham sido oferecidas pela própria empresa em que trabalham ou por terceiros, diante do prejuízo financeiro resultante de uma violação do dever, cometido em suas respectivas atividades de diretoria. As apólices de um seguro D&O correspondem ao interesse dos gerentes em manter sua posição profissional e social. Observe que apenas atos culposos e não dolosos são cobertos nela.

É importante lembrar aqui que a existência de um seguro D&O não modifica as regras de responsabilidade civil e jurisprudência existentes. Quem decide em uma empresa é sempre responsável e o cometimento de erros ou atuação até mesmo negligente, pode levar o Diretor Geral de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada ou os diretores do Conselho de Administração e Supervisão/ Fiscal de uma Sociedade Anônima a responderem com seu patrimônio privado. A responsabilidade é limitada da empresa e não do Gerente Geral (se estivermos falando da sociedade limitada, especificamente). Dessa forma, de acordo com a decisão do Tribunal de Justiça de Munique (OLG Munique, 25.4.2005 – 25 U 3940/04, AG 2005, 817) o seguro D&O é considerado um “elemento constitutivo para garantir a liberdade de ação empresarial.”

Uma apólice de seguro D&O funcional, que resguarde a existência da organização é, portanto, indispensável, pois as empresas, assim como gestores da massa falida, são obrigados a exigir uma indenização ao Gerente Geral da empresa, pelas perdas financeiras que ele, por ventura, tenha causado (julgamento ARAG/Garmenbeck, BGHZ 135, 244). É a opinião majoritária que isso também se aplica, de forma limitada, aos gerentes seniors de organizações empresariais.

No julgamento em questão, o Conselho Supervisor/Fiscal decidiu não fazer valer qualquer reclamação por danos contra o Conselho de Administração, embora, neste caso, houvesse grandes chances de sucesso. O BGH reconheceu uma violação do dever, neste caso porque o Conselho Supervisor é obrigado a fazer valer reivindicações de responsabilidade contra o Conselho de Administração, após exame apropriado e assim, determinou os pré-requisitos para uma redução correspondente de tais circunstâncias. Somente se houver razões realmente importantes para o não agir, no melhor interesse da empresa, é que o Conselho Supervisor/Fiscal excepcionalmente pode se abster de fazer reivindicações. O mesmo ocorre com o gestor da massa falida, que é obrigado a exigir créditos de organizações. Ou seja, há quem defenda a tese de que a cobertura através do seguro D&O cria a responsabilidade.

Que sugestões a senhora poderia dar aos estudantes e recém formados brasileiros que queiram seguir carreira nas empresas situadas na Europa e, em especial, na Alemanha?

Tudo começa com o aprendizado do idioma, que pode e deve ser feito ainda no Brasil. O período de estudo de um curso superior normalmente caracteriza uma fase na vida do estudante em que ele tem mais tempo para se dedicar a outros cursos do seu interesse, diferente do que acontece com o término da faculdade, quando o trabalho absorve todo o dia do profissional recém-formado. Essa é uma fase propícia para o aprendizado de idiomas.

Para o trabalho no exterior é necessário não apenas a fluência na redação de textos, na compreensão oral e auditiva do idioma alemão, como a prova dessas competências através de certificados oficiais obtidos através de exames aceitos por universidades na Alemanha.

Seguido a isso, é importante salientar que é necessário estudar na Alemanha, já que o diploma de um curso de Direito brasileiro raramente será aceito por empresas alemãs. O Brasil e a Alemanha possuem ordenamentos jurídicos distintos e é de suma importância conhecer as leis do país onde se pretende atuar como jurista. E tanto as leis quanto a compreensão do idioma técnico não são aprendidos em cursos de idiomas, mas em universidades.

Este é um guia que também pode ser utilizado para quem também pretende atuar em outros países da Europa.

Como aprimorar o relacionamento entre o pensamento acadêmico e a atuação prática do Compliance Officer e dos demais profissionais encarregados dessa temática no âmbito das corporações?

Eu sou da opinião que o diálogo possibilita o crescimento de ambas as partes: Tanto o ambiente acadêmico quanto o corporativo são beneficiados com a troca de informação. Materiais de nível científico de excelência produzidos nas universidades ajudam o Compliance Officer no desenvolvimento da parte operativa. Por outro lado, quem redige os artigos precisa do máximo possível de informações da prática corporativa, além do feedback honesto do Compliance Officer, diga-se, se aquilo que está sendo produzido na parte escrita goza de condição de implementação prática. Fazendo uso de uma linguagem plástica: É preciso saber se o estudo de design, o protótipo, tem condições de se tornar produto e caso tenha, ter a coragem de partir para a fase de testes. 😉

Essa troca de informação mútua pode ser feita de diversos modos: Através de seminários, palestras e encontros das mais diversas formas, em que alunos e futuros profissionais da área do Direito, mas ainda de outras áreas, como Administração de Empresas e Economia (a título exemplificativo apenas) se encontrem com Compliance Officers e troquem informações concretas sobre o que vem acontecendo nas corporações. Há desafios que todo Compliance Officer enfrenta que, na maioria das vezes, permanecem desconhecidos no âmbito acadêmico, simplesmente porque não se conversa sobre o que acontece.

Brainstormings” em encontros informais podem ajudar a alinhar idéias em prol de soluções viáveis e inovadoras, permitindo o enriquecimento de ambas as partes.

Eu também enxergo a necessidade do encontro com o meio acadêmico como possibilidade de descoberta de talentos. Departamentos de Compliance precisam de alunos com técnica e conhecimento, mas também que tenham criatividade, sejam pro-ativos, saibam escutar os problemas de colegas de outros departamentos e tenham condições de apresentar soluções rápidas, cabíveis e economicamente executáveis.

O oferecimento de estágios pode ser uma possibilidade interessante para ambas as partes, porque um Compliance Officer experiente pode cuidar para que o estudante alargue seus horizontes de diversas formas, seja através do apoio em projetos que estejam sendo gerenciados pelo Compliance Officer, como através da obtenção de soft skills, que contam hoje tanto quanto o conhecimento técnico, comprovado com boas notas. Alguns exemplos se dão na compreensão de contextos de gestão empresarial, no desenvolvimento da capacidade de se pensar conceitual e estrategicamente entre departamentos e entre instituições, do conhecimento do funcionamento da organização, no melhoramento da capacidade de moderação e apresentação, assim como sua competência social e comunicativa. Um estágio em uma aérea tão desafiadora como Compliance exige flexibilidade e resiliência.

Também a produção conjunta de textos pode colaborar com o aprimoramento entre o pensamento acadêmico e a atuação prática do Compliance Officer.

Dúvidas sobre a entrevista podem ser tiradas contactando o e-mail: InternationalCompliance.Contact@gmail.com