EM FOCO
Samuel W. Buell

Entrevista com Samuel W. Buell
Professor de Direito Penal da Universidade de Duke. Especialista em crimes corporativos.
setembro, 2020.
Em sua obra “Capital Offenses: Business Crime and Punishment in America’s Corporate Age” o Sr. relata que o Direito Penal parece entregar uma resposta diante do crime corporativo aquém daquilo que a sociedade americana dele espera. Em que medida o papel das empresas na ordem econômica e social moderna contribui para que essa resposta seja deficiente?
Acredito que seja da natureza da organização empresarial de grande porte, e de como as irregularidades ocorrem e as evidências são geradas em empresas complexas, que as noções tradicionais de responsabilidade criminal individual não se encaixem bem ou sejam extremamente difíceis de impor devido a problemas de prova. Ironicamente, quanto maior e mais complexa a empresa, maior o potencial para danos generalizados e não detectados, porém mais difícil se torna atribuir responsabilidade penal aos indivíduos responsáveis, especialmente nos níveis seniores. As corporações não pioram este problema propositalmente – elas estão apenas fazendo o que a sociedade espera e permite que elas façam, que é ser competitiva, criativa e crescer, e assim tornar a punição mais difícil para os encarregados da persecução penal. Eu acredito que as empresas contribuem para o problema geral de frustração pública com irregularidades corporativas usando lobby e contribuições de campanha para se opor ativamente e minar as formas não criminais de regulação e controle legal que, se fossem mais eficazes, impediriam que muitas irregularidades corporativas ocorressem.
No Brasil discute-se hoje se o enfrentamento do crime corporativo promovido pela atuação de instituições como o Ministério Público, a Receita Federal e a Polícia Federal, em especial a corrupção econômica, não estaria provocando a ruína financeira de determinadas empresas. Nos Estados Unidos existe esse tipo de ponderação de valores (desenvolvimento econômico x corrupção) ou se aceita com naturalidade a ideia de punição do crime corporativo ainda que isso conduza à falência da empresa?
A probabilidade de um processo criminal colocar uma empresa fora do mercado ou torná-la insolvente é, em grande parte, decorrente do tipo de negócio que ela conduz. Costumava-se pensar que quase todas as empresas nos setores de serviços, especialmente serviços financeiros, seriam altamente vulneráveis ao colapso diante de processos criminais porque os danos reputacionais decorrentes de serem consideradas culpadas, fariam com que os clientes as abandonassem em seus negócios. Mas isso não acabou sendo verdade. Certamente, é improvável que uma firma de advocacia ou de contabilidade sobreviva a um processo criminal. Mas muitos dos grandes bancos já se declararam culpados de crimes e continuam a operar. A verdadeira ameaça de colapso é para as empresas que operam em setores nos quais o governo pode ou deve proibí-las de realizar novos negócios em caso de condenação. Por exemplo, algumas grandes empresas do setor de saúde enfrentam a perspectiva de falir se forem impedidas, por causa da condenação, de continuar participando de programas de saúde financiados pelo governo, como o Medicare e o Medicaid.
Suas pesquisas em torno dos crimes do colarinho branco toca no ponto da evolução dos comportamentos com vistas a evitarem o controle legal. Na obra mencionada o senhor aponta para a deficiência da lei e, também, de determinadas instituições como um elemento que teria favorecido o ambiente que levou à crise financeira de 2008. No Brasil estamos nos deparando com o debate em torno da diferença entre mero não pagamento de impostos e sonegação fiscal, pois dirigentes empresariais têm sido acusados de declararem os tributos à Fazenda Pública, mas não recolherem dolosamente os valores, o que descaracterizaria a fraude e, portanto, o crime de sonegação. Em sua visão, quais as medidas poderiam ser adotadas no momento da criminalização de comportamentos para minimizar os expedientes de simulação presentes nos crimes corporativos?
Penso que, no que se trata de infrações fiscais, talvez seja necessário realizar uma reforma nas definições substantivas das infrações em nosso Direito Penal. Nos Estados Unidos, como a legislação tributária é vista como excepcionalmente complexa e há uma ansiedade de longa data quanto a dar às autoridades fiscais muito poder, nossos padrões para condenação por delito fiscal são extremamente elevados. É uma das poucas áreas do direito em que uma defesa de “ignorância da lei” pode realmente ter sucesso. Nunca achei particularmente simpático a ideia de que deveríamos tornar especialmente difícil para os procuradores condenar alguém por trapacear em seus impostos e, portanto, ter requisitos especialmente exigentes para a prova do dolo [mental state] em tais casos. Ainda assim, o problema com a compliance tributário nos Estados Unidos é provavelmente o resultado de quão pouca dedicação é dada aos processos fiscais – a probabilidade de ser auditado pelo IRS [Internal Revenue Service – a Receita Federal americana], muito menos processado pelo Departamento de Justiça, é muito baixa, na minha opinião, para uma dissuasão eficaz.