EM FOCO

Alberto Zacharias Toron

Opinião de Alberto Zacharias Toron

Advogado criminalista, Mestre e Doutor em Direito Penal pela USP, especialista em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca, Professor de Processo Penal da FAAP em São Paulo, ex-Presidente do IBCCrim (1995/95) e ex-diretor do Conselho Federal da OAB.

novembro, 2020.

A despeito de havermos conquistado a democracia formal com a possibilidade de elegermos nossos governantes a cada quatro anos, nosso sistema de justiça penal apresenta práticas autoritárias que dificultam o exercício da defesa. Antes, os oprimidos eram os “pretos, pobres e prostitutas”, como se dizia.

Agora que gente de uma nova classe social, os ricos e os políticos, passaram a frequentar o banco dos réus, direitos e garantias também para esses são negados. Há quem aplauda por supor um tratamento democrático entre diferentes segmentos sociais. Sem perceber, ajudam a criar um caldo de cultura da violência estatal contra todos e, sobretudo, contra os excluídos econômica e socialmente.

Sem ter a pretensão de esgotar fatos e situações que realçam a importância da atuação do advogado no processo penal dos crimes econômicos, comecemos pelos vazamentos seletivos para se criar uma espécie de “consenso extraprocessual” e permitir a legitimação de medidas excepcionais como prisões temporárias e preventivas da qual a operação Lava Jato foi ___ e é ___ exemplo eloquente. Com prisões que se prolongaram, mais o bloqueio de bens do investigado e o escracho na mídia, obtiveram-se muitas delações premiadas. Seria correto o uso desse instrumento de força representado pelas prisões, fora das suas hipóteses legais para forçar delações?

Por outro lado, hoje, uma dificuldade recorrente continua sendo o acesso à íntegra dos autos. Sim, mesmo com o advento da Súmula Vinculante n. 14, advinda a partir da atuação da OAB (PSV1[1]), não é incomum advogados se depararem com a falta de material informativo que deveria estar nos autos. Há quem diga que o importante é apenas o que o MP selecionou para fundamentar a denúncia. Desde o julgamento do histórico HC n. 94.173, o seu relator, Min. Celso de Mello, dizia da importância de todas as provas estarem à disposição da defesa e não apenas as “selecionadas” pelo MP (DJ 27/11/2009).

A intervenção do advogado para garantir o contraditório efetivo é fundamental para coibir práticas inquisitoriais como a do juiz que resolve perguntar em primeiro lugar, preterindo a regra clara constante do art. 212 do CPP, que estabelece a primazia das partes na inquirição sobre a do juiz. Idem, no que diz com a cronologia da entrega dos memoriais quando há réus delatores e delatados, duramente conquistada (STF, HC n. 157.627, rel. p/ o ac. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 17/3/2020) e hoje inserida na lei (art. 4º, §10-A da Lei n. 12.85/2013, com as alterações determinadas pela Lei n. 13.964/2019, Pacote Anticrime).

O advogado criminal em qualquer fase da persecução penal e sobretudo nos casos de repercussão, onde é comum a ocorrência de um verdadeiro linchamento do investigado e até mesmo de seu advogado, lembremo-nos da advertência do insuperável Evaristo de Moraes Filho no seu Advogado Criminal, esse desconhecido (Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 9, ano 1995), de que o advogado atua como uma espécie de “contrapoder” para frear abusos e garantir direitos.

Quando os criminalistas não são confundidos com os próprios acusados, há uma irresistível vocação da opinião pública (ou publicada) em prejulgar os casos. Forma-se, então, um conjunto explosivo: o acusado, mesmo antes de ser julgado, já é considerado um bandido perigoso e seu advogado não passa de um ser abjeto, que aceitou a causa do criminoso por dinheiro. Daí para a execração e desrespeito, inclusive em juízo, é um pulo. São conhecidos os casos de desrespeito às prerrogativas profissionais, como por exemplo, o de não se permitir a conversa com o cliente preso, se não por meio do interfone.

Em um Estado Democrático de Direito, qualquer acusado, ainda que culpado, tem direito à defesa; e, claro, à melhor defesa. O escândalo, segundo Alan Dershowitz, não está em que ricos sejam primorosamente defendidos e sim quando pobres não o são[2]!

[1] Pedido de Súmula Vinculante n. 01 protocolizado em 20/11/2008 e j. em 02/02/2009.
[2] Letters to a Young lawyer, Nova Iorque, NY, 2001, p. 52: “The scandal is not that the rich are zealously defended; it is that the poor and middle class are not”. Inspirado no trabalho do grande advogados e professor norte Americano, Pierpaolo Botini, Celso Sanches Vilardi e eu escrevemos no Conjur o artigo intitulado: “Podem bons advogados defender pessoas más?” (www.conjur.com.br em 06/6/2012).