EM FOCO

Bruna Santos

Opinião de Bruna Santos

Pesquisadora do CPJM

julho, 2020

Desde o início da eclosão da emergência internacional decorrente do surto do coronavírus humano, as agências antitrustes de todo o mundo vêm empreendendo esforços para fornecer informações aos atores econômicos e garantir o fiel cumprimento das normas concorrenciais. Em abril de 2020, o Comitê diretor da International Competition Network (“ICN”)[1], composto por 140 autoridades da concorrência, reafirmou a importância do pronunciamento dessas agências acerca de diretrizes de colaboração entre concorrentes durante e após a pandemia.

Nesse sentido, no dia 06 de julho de 2020, o Conselho Administrativo de Defesa da Concorrência (CADE) publicou nota informativa temporária[2] com orientações para as empresas, consumidores e fornecedores sobre quais os procedimentos a serem adotados na elaboração de estratégias de combate ao novo coronavírus e quais os procedimentos disponíveis para que os agentes econômicos possam obter seu pronunciamento.

Dentre as diversas recomendações e orientações, gostaria de chamar a atenção para o posicionamento do CADE no sentido da imprescindibilidade da implantação de programa de compliance para a colaboração entre empresas durante a epidemia internacional. Veja:

  • Estratégias que envolvam a participação de concorrentes deverão se pautar em controles estritos de governança e compliance, como meios de demonstração da boa-fé e do compromisso com a defesa da concorrência;
  • Os agentes deverão agir com transparência e apresentar todos os documentos e informações que auxiliem a autoridade na formação do juízo prévio e que comprovem a urgência e necessidade da estratégia.

Nesse contexto, considero oportuno ressaltar que momentos de crise econômica são considerados “terras férteis” para irregularidades na esfera econômica, causando, naturalmente, grandes preocupações aos departamentos de compliance das empresas. Portanto, é fundamental o esforço de adaptação do compliance a uma série de demandas emergenciais, tais como: 1) a flexibilização dos procedimentos licitatórios; 2) o aumento de contratações emergenciais e demandas de doações e hospitalidades; 3) a insegurança jurídica oriunda da necessidade de observância das novas regulamentações; e 4) o cenário de incerteza quanto à perduração da crise.

Apesar dessa necessidade, um estudo recente publicado pela KPGM[3] demonstrou – justamente – que departamento de compliance vêm sofrendo uma série impactos negativos decorrentes do surto do COVID-19. Cerca de 40% dos líderes entrevistados afirmaram que a capacidade de investigar fraude, corrupção e desvios de conduta foi inibida por conta dos desafios decorrentes do distanciamento social e da “baixa maturidade tecnológica”.

Vale a pena ressaltar que, apesar da gravidade do momento que estamos passando, não é de hoje que o CADE enfatiza a importância do programa de integridade na seara concorrencial. Com efeito, em 2016 a autarquia publicou o seu próprio Guia para Programas de Compliance[4], para fornecer e demonstrar aos concorrentes orientações sobre a estruturação e benefícios da adoção ao chamado compliance antitruste.

É certo que a situação econômica atual reforça a necessidade da conscientização promovida pelos programas de integridade no âmbito do Direito Antitruste. Isso vai muito além da atuação preventiva (com ações afirmativas de incentivo à conformidade) e da atuação repressiva (com a identificação de violação às leis). Na verdade, adotar um sistema de compliance antitruste bem estruturado evita danos à imagem das empresas que, muitas das vezes, são irreparáveis no âmbito competitivo, além de possibilitar, excepcionalmente, a adoção de medidas para colaboração entre concorrentes.

Em sentido contrário, ou seja, ao optar pela não adoção do compliance concorrencial ou, ainda, trabalhar com um programa pouco efetivo – sobretudo em tempos de crise sanitária e econômica – , a empresa assume, ainda que tacitamente, o risco da ocorrência de eventuais lesões ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, com as consequências adversas que daí decorrem. Isso envolve desde a aplicação de multas administrativas que podem chegar a 20% do faturamento da empresa até a responsabilização dos administradores nas esferas nas esferas cível, criminal e administrativa.

Dessa forma, considero forçoso compreender que programa de compliance e o Direito Antitruste estão intrinsecamente ligados, sendo ambos indispensáveis à manutenção da liberdade e do desenvolvimento econômico. Essa assertiva é válida tanto para tempos de pandemia, como – oxalá não demore! – para tempos de normalidade da saúde pública em escala mundial. Em síntese, o compliance se torna mais eficaz com o enforcement antitruste, e este, por sua vez, torna-se mais eficiente quando as empresas adotam uma cultura de integridade concorrencial.

Referências:
[1] ICN Steering Group Statement: Competition during and after the Covid-19 Pandemic. Disponível em: <https://www.internationalcompetitionnetwork.org/wp-content/uploads/2020/04/SG-Covid19Statement-April2020.pdf>
[2] Disponível em: http://www.cade.gov.br/noticias/cade-divulga-nota-informativa-sobre-colaboracao-entre-concorrentes-para-enfrentamento-da-crise-de-covid-19/nota-informativa-temporaria-sobre-colaboracao-entre-empresas-para-enfrentamento-da-crise-de-covid-19.pdf
[3] Disponível em: <https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/07/13/pandemia-impacta-area-de-compliance-diz-kpmg.ghtml>
[4] http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-compliance-versao-oficial.pdf
Outras:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4548611/mod_resource/content/1/Compliance%20concorrencial%20-%20Coopera%C3%A7%C3%A3o%20regulat%C3%B3ria%20na%20defesa%20da%20concorr%C3%AAncia.pdfcial.pdf