EM FOCO

Cristiane Iwakura

Opinião de Cristiane Iwakura

Procuradora Federal, Doutora e Mestre em Direito pela UERJ

abril, 2020

O acordo de leniência na CVM (que na verdade se chamada acordo em processo de supervisão – “acordo de supervisão”) pode ser uma importante ferramenta auxiliar na descoberta de ilícitos administrativos.

Todavia, esse acordo no âmbito da CVM, por não gerar iguais efeitos extensíveis à esfera criminal, enfraquece demais o instituto tal como idealizado quando a infração cometida também configure um tipo penal.

A ausência de instrumentos de incentivo ou de coerção no acordo de leniência celebrado na esfera administrativa dificultam a atividade do investigador e não geram necessariamente os resultados pretendidos, pois o aderente ainda permanece com a possibilidade de responder criminalmente pelos seus atos.

Como bem salientado no julgamento do caso SBM em 2016 (Fonte: Caso SBM. Voto nº 9212/2016. Procedimento:1.30.001.001111/2014-42), quando celebrado o acordo de leniência, devem ficar evidenciados quais os benefícios para a investigação, e em quais esferas de responsabilização. Este também é um tema que rende grandes discussões, pois na maior parte dos casos o acordo de leniência celebrado com um determinado órgão não impediria a atuação de outro órgão sobre o mesmo fato.

Outra questão interessante consiste no fato de que o regulador não possui a prerrogativa de investigar de maneira autônoma sem a necessidade de um mandado judicial, e tampouco possui poder de polícia para deter equipamentos ou fazer inspeções-surpresa; assim, ele não terá condições ideais para coletar as informações de que realmente precisa e que serão essenciais para desvendar a existência de um ilícito. As inspeções realizadas na via administrativa pela CVM precedem de notificação ao investigado, que consequentemente passa a ter tempo suficiente para se preparar, seja ocultando provas ou contratando um advogado para acompanhar as diligências, chegando até a tumultuar o seu desenrolar, o que seria legítimo no atual contexto do nosso ordenamento. A ausência de espontaneidade nas investigações pode dar ensejo a indesejáveis manipulações e ocultações sobre o estado natural dos locais e documentos examinados, criando um cenário completamente desfavorável para a atuação administrativa e preparando, desde já, um fértil terreno para futuras alegações de nulidades e outras manobras legais que obstariam uma justa punição.

Por esta razão, as informações que são levadas voluntariamente ao conhecimento da CVM possuem um papel bastante relevante, destacando-se aqui as “denúncias” de investidores lesados, mas também aquelas decorrentes de acordos de leniência celebrados com a Administração Pública. Como já salientado anteriormente, o acordo de leniência na esfera administrativa não tem a mesma força de um acordo com possíveis efeitos na esfera criminal, razão pela qual o Ministério Público tem neste instituto muito mais sucesso, extraindo de suas celebrações bons resultados, com notável incremento em sua atividade persecutória.

Talvez por estas razões o acordo de supervisão tenha sido concebido, precipuamente, para a investigação de ilícitos exclusivamente administrativos, em casos nos quais a CVM não dispuser de provas suficientes para assegurar a condenação administrativa das pessoas físicas ou jurídicas por ocasião da propositura do acordo.