EM FOCO

José Maria Panoeiro

Opinião de José Maria Panoeiro

Pesquisador do CPJM.

outras entrevistas e opiniões

março, 2021.

Em 02/03/2021, por meio de postagem no Blog Mercado da versão online de O Globo a jornalista Malu Gaspar informa que nem todos os investidores da Petrobrás saíram perdendo com a notícia da demissão do presidente da estatal do petróleo na última semana, muito pelo contrário.[1] Para compreender o que ocorreu é preciso alinhar algumas ideias básicas em torno da funcionalidade do mercado de capitais. É neste mercado que empresas buscam recursos para financiar suas atividades por meio da abertura de seu capital. Em lugar de tomar empréstimos junto a instituições financeiras, investidores são convidados a aportar recursos na empresa recebendo em troca papéis representativos de parte do capital social pelos quais serão remunerados em razão dos resultados da empresa. Sob a perspectiva do investidor trata-se da possibilidade de obtenção de ganhos econômicos superiores aos oferecidos pelo sistema bancário tradicional, sob a ótica da economia de um país, é um moderno instrumento de financiamento da atividade produtiva.

Ocorre que a atratividade desse mercado depende, em grande medida não apenas da perícia e da boa gestão empresarial, mas, principalmente, das informações fornecidas e postas a disposição de investidores. São elas o sustentáculo da boa funcionalidade do mercado e, consequentemente, o objeto de regulação por parte do direito. A Lei 6.385/76 é expressa em afirmar ser da atribuição do Conselho Monetário Nacional e da Comissão de Valores Mobiliários proteger os titulares de valores mobiliários e investidores do mercado contra o uso de informação relevante não divulgada ao mercado (Art. 4º, IV, “c”). Por outro lado, a Lei 6.404/76 destaca o dever de administradores de companhia de capital aberto de divulgar fatos relevantes ocorridos em seus negócios ao mercado (Art. 157, § 4º). Esse quadro normativo visa estabelecer uma valoração mais próxima possível da real para os papeis representativos do capital social e evitar a chamada assimetria informacional. É neste segundo ponto que se encontra a notícia divulgada. A funcionalidade do mercado de capitais pressupõe igualdade de condições entre investidores, portanto, o uso de uma informação não acessível aos demais investidores não só é proibida como configura crime, o insider trading (Art. 27-D, Lei n. 6.385/76).

A reportagem descreve o uso dos chamados contratos de opções, que nos termos da legislação vigente, também são valores mobiliários (Art. 2º, VII, Lei n. 6.385/76). Contratos de opção de compra (call) ou de venda (put) são contratos que conferem a uma parte o direito, mas não a obrigação, de comprar ou vender uma quantidade pré-acordada de um determinado instrumento ou mercadoria a um preço pré-acordado e numa data igualmente pré-acordada. Desse modo, por exemplo, A e B ajustam que daqui a trinta dias B venderá para A tantas ações de determinada companhia pelo preço X. Não importa a cotação das ações no dia da venda, pois o preço está previamente definido. Como todo papel que é criado sobre um outro valor mobiliário seu escopo é possibilitar a circulação mais ágil do dinheiro no mercado de capitais. E nada há de errado nisso. É possível apostar, por exemplo, que daqui a determinado tempo o preço do minério de ferro irá explodir e, com isso, ajustar a compra de ações de uma mineradora por um valor mais baixo o que possibilitará um lucro quando do fechamento da operação e posterior venda pelo preço da época.  Apostas no mercado de capitais são movidas por múltiplas análises que não estritamente econômicas. A reportagem destaca o fato de alguém apostar numa opção de venda de ações, em data futura (22/02), por um valor inferior (R$ 26,50) ao praticado (R$ 29,27) no dia do fechamento da opção (18/02). Poderia ser uma grande aposta. Entretanto, quando se percebe que as duas operações de opções ocorreram depois do encerramento da reunião e antes do fechamento da bolsa (B3), bem como que o montante ultrapassava quarenta e seis mil vezes o maior lote vendido até então de ações da estatal (PETRN265), o quadro se torna mais nebuloso. As ações da petroleira despencaram para R$ 21,77 na segunda-feira, o dia do vencimento das opções, o que permitiria ao negociante adquirir por tal valor e vender pelo preço da opção realizando rapidamente seu lucro.

Embora a reportagem sinalize que pessoas ouvidas sob sigilo entenderam pela ocorrência de insider, o momento é de cautela. É preciso verificar em que medida a regulação setorial do compliance foi capaz de motivar a corretora à adoção de práticas condizentes com o regramento do mercado, mais do que punir aquele que cometeu crime. A punição é uma decorrência da possível existência de crime, porém, aos investidores o mais importante é a capacidade de o mercado operar dentro de regras claras e seguras. A resposta, contudo, à indagação do título, se houve apenas uma grande e certeira aposta ou um crime é algo que cabe à Comissão de Valores Mobiliários e ao Ministério Público Federal.

[1] https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/operacao-sugere-insider-trading-com-acoes-da-petrobras.html