EM FOCO

José Maria Panoeiro

Opinião de José Maria Panoeiro

Pesquisador do CPJM

maio, 2020.

A prevalência nas sociedades ocidentais do modelo econômico que tem suas bases no liberalismo econômico aponta para um pressuposto fundamental, a livre interação das forças no mercado (fornecedores/consumidores) que define o preço natural de cada bem econômico. A manipulação de preços, por essa razão, configurou-se como o delito do liberalismo no Código Penal de Napoleão (1810) e ainda hoje está presente sob diferentes roupagens nos mais variados ordenamentos jurídicos. A criação de um tipo penal para resguardar o modo de produção capitalista diz mais do que o mero arbítrio criminalizante, diz com a intervenção do Estado na economia visando corrigir disfunções do mercado. Destarte, não há que se confundir frente ao modelo econômico da C.R. 88 a tutela da concorrência e aquela dirigida ao consumidor, ainda que a primeira, em última análise beneficie igualmente o segundo. Diante disso é preciso assentar que o abuso do direito de propriedade é uma das notas características da delinqüência econômica; e o abuso de preços é uma de suas manifestações. Admitido de modo excepcional o controle de preços, urge perceber que existem delitos na vetusta Lei 1.521/51 que podem cobrir eventuais abusos. Presente um tabelamento de preços é possível estar configurado o art. 2º, VI, que, segundo pensamos, não foi revogado pelo dispositivo que tratava de crimes contra a ordem econômica (art. 6º, I da Lei 8.137/90), pois neles há um pressuposto fundamental da regulamentação extrapenal, a existência do poder econômico e seu abuso nos termos da Lei 12.529/11. Contudo, inexistente o complemento, o tabelamento de preços, o tipo penal não entra em operação. Por outro lado, o tipo penal da usura real (art. 4º, b, da Lei 1.521/51) segue em vigor e caberá ao juiz, em cada caso concreto, ponderar se estamos diante de um lucro oportunista por parte do empresário ou se, alternativamente, também ele sofre com os efeitos da escassez no âmbito de uma pandemia que corrói cadeias produtivas e de distribuição, o que torna atípica sua conduta