EM FOCO

Luís Consentino

Opinião de Luís Consentino

Pesquisador do CPJM

agosto, 2020

A Lei nº 12.846/2013 – conhecida como Lei Anticorrupção – inaugurou no Brasil uma nova era no que diz respeito à punição de empresas que pratiquem atos de corrupção em sua relação com a Administração Pública, seja nacional ou estrangeira. Se por um lado a citada lei descreveu condutas que configuram atos de corrupção (art. 5º), prevendo sanções administrativas (art. 6º), por outro incentivou a criação de programas de compliance (a lei utiliza a expressão “integridade”) como forma de atenuar a sanção imposta (art. 7º, inciso VIII).

Contudo, não é qualquer programa de compliance que terá aptidão para reduzir o montante da multa imposta quando da verificação do ato de corrupção empresarial, mas tão somente os programas verdadeiramente efetivos na prevenção e detecção de ilícitos. Assim, os programas de integridade mal implementados ou que não demonstrarem sua concreta capacidade em diminuir as oportunidades de ilícitos, não devem ser levados em conta para fins da redução de pena.

Dentro desse contexto, me chamou a atenção o Projeto de Lei do Senado nº 435/2016, de autoria do Senador Antônio Anastasia (PSD-MG) que, após aprovado na câmara alta brasileira, foi remetido à Câmara dos Deputados, em abril do corrente ano, e lá passou a tramitar como Projeto de Lei nº 1.588/2020.

Ele – o projeto de lei – objetiva justamente alterar a redação do inciso VIII do art. 7º, da Lei nº 12.846/2013, de modo a exigir uma espécie de “certificação” dos programas de compliance, a ser realizada pelo que denomina de “gestor de sistemas de integridade”, com o fim de conferir-lhes maior idoneidade e, com isso, permitir a redução da sanção administrativa.

No ponto, penso que a ideia de exigir certificação – como atestado de confiabilidade dos programas de compliance – vai na contramão do que os especialistas têm defendido na generalidade dos países. Desse modo, o citado projeto de lei, a pretexto de melhorar a qualidade dos programas de compliance, pode gerar perplexidades quando de seus pressupostos de avaliação.

A justificação do PLS nº 435/2016 deixa claro o objetivo da alteração legislativa, in verbis:

“[P]ercebe-se que, em nível nacional, a implantação de sistemas de integridade nas empresas prossegue com certa lentidão. Apesar dos esforços da antiga Controladoria Geral da União, hoje Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle, em editar orientações para o setor público e privado, provendo parâmetros e melhores práticas, a absorção de tais práticas pelos atores nacionais permanece subestimada. […]
Nesse sentido, por meio deste Projeto, objetiva-se condicionar a eventual avaliação de programa de compliance de uma empresa para fins de aplicação das sanções da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, à existência de um gestor independente que efetivamente possa certificar seu funcionamento correto. Isso permitirá que esses programas sejam criados e colocados em prática.
Assim, a existência de instâncias e mecanismos de combate e prevenção à corrupção só poderão atenuar eventual sanção administrativa quando existirem efetivamente. E, mais ainda, quando forem geridos ou certificados por pessoa especificamente preparada para essa função”.

Com efeito, do modo como estabelecido, acredito que proposição legislativa decerto gerará incompreensões. Pior: há o perigo da alteração incentivar o aumento dos programas de compliance meramente cosméticos ou “de papel”, ou seja, aqueles que são implementados de modo padronizado, sem respeitar as peculiaridades de cada empresa e do setor econômico onde atua, sem a real preocupação de prevenir ilícitos. Esta consequência é de todo indesejável.

De outro lado, não fica claro no texto qual deve ser a posição do responsável pela certificação do compliance. Ou seja, o denominado “gestor de sistemas de integridade” deve ser externo ou pertencente aos quadros da empresa? Sendo interno, como ficaria eventual conflito de interesses? Seria então o próprio compliance officer a pessoa mais adequada a desempenhar esta função? Neste último caso – a meu sentir – é certo que não!

Vale ressaltar que, apesar do esforço internacional em criar standards para os programas de compliance e da existência de normativas como as do ISO 37.001 (voltadas ao antissuborno), a mera certificação de um programa de compliance não é capaz de garantir a sua efetividade na prática cotidiana da empresa, razão pela qual seria um raciocínio simplista considerá-la suficiente para viabilizar a redução de sanção (art. 7º, VIII, da Lei nº 12.846/2013).

Na verdade, a avaliação dos programas de compliance não pode ser confundida com um check-list padronizado. Ela – a avaliação – deve levar em conta, dentre outros critérios: (1) o histórico das ocorrências e como a empresa as tratou; (2) o comprometimento da alta direção com o programa e o quanto foi investido para este fim; (3) deve apurar, em bases concretas, se o programa é orgânico, se está inserido na cultura da empresa e dos funcionários; (4) se está sendo reavaliado e revisado constantemente; e (5) se é adequado à matriz de riscos.

Assim, sou de opinião que a proposta almejada pelo atual PL nº 1.533/2020 não contribuirá para a melhoria dos programas de compliance anticorrupção no Brasil, ao contrário, é possível que gere até uma multiplicação de entidades comercializadoras de certificações – numa espécie de versão pós-moderna das antigas “bulas papais” da Idade Média.

Em síntese, penso que se o escopo é incentivar o aprimoramento dos programas verdadeiramente efetivos, a simples exigência de certificação como única condição suficiente para atenuar sanções administrativas não parece ser o melhor caminho, devendo-se buscar alternativas científicas mais adequadas às nossas necessidades.