EM FOCO

Marlos Gomes

Opinião de Marlos Gomes

Pesquisador do CPJM

junho, 2020

Em maio de 2018, umas das principais autoridades do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) divulgava, para os ouvintes do evento promovido pelo New York City Bar White Collar Crime Institute, uma nova política[1] que reforçou a tutela dos direitos individuais e das pessoas jurídicas contra sanções, promovidas por diversas jurisdições, a respeito de um mesmo fato jurídico. O documento se insere no contexto da justiça negociada e dispõe sobre a necessidade de articulação, intra e intergovernamental para a aplicação da legislação nos casos envolvendo corrupção lato sensu, incluindo a cooperação internacional com as demais autoridades estrangeiras, mitigando, assim, decisões que poderiam configurar interferência ao  princípio do ne bis in idem.

Na sua apresentação[2], Rod Rosenstein, então principal diretor do DOJ e responsável por assessorar e auxiliar o procurador-geral na gestão dos seus mais de 110.000 funcionários, afirmou que o documento propunha traçar uma coordenação ampla dos esforços em aplicar a legislação, em especial a de antissuborno, coibindo práticas que minam a confiança do povo na administração da justiça, envolvendo não apenas as agências e autoridades norte-americanas, mas principalmente incentivando uma cooperação organizada transnacional apta a investigar e, se for o caso, punir empresas e indivíduos de modo justo, sem violar direitos e garantias.

O documento estabeleceu algumas premissas relevantes do ponto de vista das políticas de prevenção e combate da corrupção:

1) A prevenção eficaz do cometimento de crimes econômicos demanda um empenho coordenado das agências de enforcement e das empresas;

2) A pena deve realizar a sua finalidade intimidatória, de integração e reabilitação, sem, contudo, representar sanções repetidas sobre um mesmo fato que poderiam comprometer a sobrevivência da organização, ou provocar danos irreversíveis;

3) A opção pela via da justiça negociada não pode resultar em impunidade, tal como deve preservar os direitos das vítimas, avaliando sempre o impacto do modelo sancionatório sobre os investidores e funcionários inocentes;

4) Diante da complexidade em investigar crimes econômicos ou de colarinho branco, a cooperação irrestrita de empresas e indivíduos deve ser considerada pelas autoridades de forma isonômica e justa, contribuindo para que o Estado possa direcionar melhor os esforços investigativos e sancionatórios; e

5) O  pagamento de multas elevadas nem sempre  pode resultar em reabilitação ou intimidação, sendo essencial buscar alternativas sancionatórias inovadoras que corrijam as irregularidades e estimulem o comportamento eticamente esperado dentro das organizações.

Com relação ao Brasil, vale ressaltar que,  ao menos desde a promulgação da legislação anticorrupção as autoridades vêm buscando cooperar com os membros do DOJ na tentativa de punir empresas e indivíduos envolvidos em escândalos corporativos. Nesse sentido, o  acordo de resolução celebrado pela Petrobrás com as autoridades norte-americanas[3] reflete, em certa medida essa, cooperação e o reconhecimento dos resultados efetivos obtidos com o trabalho coletivo, dispondo, inclusive, sobre a necessidade da resolução considerar os valores pagos, a título de multas, perante a Justiça brasileira.

Assim, diante do sistema jurídico anticorrupção brasileiro, orientado por múltiplas instâncias com competência sancionatória, cujas críticas apontam para uma imperiosa limitação e coordenação dos poderes de enforcement da legislação, creio que devemos refletir a respeito da insegurança jurídica relacionada com díspares investigações e  possíveis sobreposições de sanções, com impactos colaterais negativos no seio das organizações. Em síntese, penso ser necessária a adoção de igual política de sistematização e coordenação sancionatória no sistema jurídico brasileiro.

[1] Disponível em: <https://www.justice.gov/opa/speech/file/1061186/download> Acesso no dia 18 de Junho de 2020.
[2] Disponível em:< https://www.justice.gov/opa/speech/deputy-attorney-general-rod-rosenstein-delivers-remarks-new-york-city-bar-white-collar> Acesso no dia 18 de Junho de 2020.
[3] Disponível em:< https://www.justice.gov/opa/pr/petr-leo-brasileiro-sa-petrobras-agrees-pay-more-850-million-fcpa-violations > Acesso no dia 18 de Junho de 2020.