EM FOCO

Mauro Jr.

Opinião de Mauro Jr.

Pesquisador do CPJM.

novembro, 2020.

Na quinta-feira, dia 19 de novembro de 2020, um homem negro chamado João Alberto Silveira Freitas foi morto nas dependências do estabelecimento Carrefour, na cidade de Porto Alegre. Segundo a mulher da vitima, a confusão teria se iniciado após um desentendimento entre a vítima e uma funcionária do supermercado na hora de passar no caixa[1].

Com a ocorrência da discussão, João Alberto foi levado para o lado de fora das dependências e, nesse momento, a vítima teria desferido um soco em um dos seguranças do supermercado, ocorrendo em seguida, o espancamento. Segundo a polícia do Rio Grande do Sul, as agressões teriam durado pouco mais de 5 minutos.

A extensa lista de golpes deferidos pelos seguranças incluiu socos no rosto e na cabeça da vítima. Como demonstrado pelas imagens amplamente divulgadas na mídia, a vítima, depois de cair de bruços no chão e ser arrastada, foi imobilizada por um dos seguranças que colocou o joelho nas suas costas. Os socorristas do Samu não conseguem reanimar João Alberto, que morreu no local.[1]

No dia seguinte, intensos protestos foram realizados em todo o País em filiais da rede Carrefour. Em capitais, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo horizonte, grupos de manifestantes ergueram cartazes em frente às filiais do grupo global. Na cidade onde ocorreu o crime, cerca de 2.500 mil pessoas se reuniram em um protesto no fim da tarde. Na zona norte de Porto Alegre, os manifestantes se concentraram em frente ao principal acesso ao Carrefour [2].

Com o objetivo de conter os danos causados pela repercussão negativa do caso, o presidente global do Grupo Carrefour, Alexandre Bompard, se utilizou das redes sociais para se pronunciar. Na oportunidade, classificou a morte de João Alberto como um “ato horrível”, e pediu para que a rede de supermercados no Brasil faça “uma revisão completa das ações de treinamento dos colaboradores e de terceiros, no que diz respeito à segurança, respeito à diversidade e dos valores de respeito e repúdio a intolerância”. [3]

Em nota pública, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão repudiou o ocorrido, tratando sobre a responsabilidade das empresas no combate ao racismo institucional no Brasil. Com efeito, assinada e publicada no Dia da Consciência Negra, a PFDC manifestou preocupação com os repetidos eventos de violência contra negros, conclamando o grupo Carrefour a adotar medidas concretas, em toda a sua rede, visando a implementação de políticas de compliance em direitos humanos nas suas atividades, bem assim a instituir programas de capacitação, treinamento e qualificação dos empregados e de terceiros visando combater o racismo institucional. [4]

De fato, a despeito das discussões acerca do enquadramento penal dos fatos acima apresentados, percebo como ponto nevrálgico da questão – e pouco discutido até o presente momento – a necessidade de instituição ou reformulação de programa de compliance em direitos humanos e combate ao racismo estrutural não somente na rede multinacional de supermercados, mas em todas as empresas aqui operantes.

Insisto que o ponto principal de destaque é que um dos – se não o mais eficiente –, instrumentos capazes de realizar efetiva modificação cultural nas organizações empresariais é justamente a estruturação de um respeitoso programa de compliance. Um programa de conformidade bem desenhado, executado e revisado, pode transformar a cultura da organização e influenciar os colaboradores da pessoa jurídica, em especial no combate ao racismo e na proteção dos direitos humanos constitucionalmente garantidos.

Vale, aqui, recordar que após as manifestações populares de julho de 2013 e, posteriormente, com a promulgação da Lei Anticorrupção, a ideia do compliance, até então restrita a determinados riscos da atividade econômica, em um viés preventivo, ganhou nova projeção social, sendo alavanca de transformação, por exemplo, no combate a corrupção empresarial.

Contudo, o combate ao racismo institucional no Brasil, evidenciado, dentre outras áreas, em práticas empresariais altamente reprováveis – como o caso acima relatado –, exigem uma mudança de perspectiva, de forma que o compliance, enquanto mecanismo transformador da cultural organizacional, passe a se conectar com os direitos humanos, exigindo revisão de protocolos e novos treinamentos de funcionários e colaboradores.

Lamentavelmente, não é de hoje que vemos uma profunda discussão dos malefícios herdados pela sociedade brasileira pelo nosso triste passado escravagista, que traz reflexos na sociedade atual. Dessa forma, a influência de uma cultura segregacionista também influencia a cultura das empresas e suas práticas comerciais, industriais e financeiras, devendo ocorrer uma transformação na arraigada cultura racista de certas organizações.

Em conclusão, penso que a profunda alteração sociocultural tem como um dos portadores das maiores possibilidades de êxito, exatamente os programas de integridade em direitos humanos nas organizações empresariais brasileiras.

Referências:

[1] Homem negro é espancado e morto em supermercado Carrefour em Porto Alegre. Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/11/20/homem-negro-e-espancado-e-morto-em-supermercado-carrefour-em-porto-alegre.ghtml
[2] Protestos por morte de João Alberto têm tensão e quebra-quebra em capitais. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/11/20/protestos-por-morte-de-joao-alberto-tem-tensao-e-quebra-quebra.htm
 [3] Carrefour diz que 20 de novembro foi o dia mais triste de sua história, e presidente global ordena revisão de treinamento dos funcionários. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/11/21/apos-morte-de-joao-alberto-presidente-do-carrefour-pede-que-rede-no-brasil-revise-treinamentos-de-seguranca.ghtml
[4] Nota Pública PFDC –GT1-GT13-002/2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/mpf-carrefour-institua-compliance.pdf