EM FOCO

Pedro Gueiros

Opinião de Pedro Gueiros

Bacharel em Direito pelo IBMEC e Trainee em propriedade intelectual no escritório Lima & Feigelson Advogados

julho, 2020

Aprovado em sessão plenária do Senado, no dia 30 do mês passado, o Projeto de Lei (PL) nº 2.630/2020 seguiu agora para a Câmara dos Deputados. Tendo por objetivo instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, ele deve ser apreciado e votado nas próximas semanas, conforme afirmou o próprio Presidente da Casa revisora (https://congressoemfoco.uol.com.br/legislativo/pl-das-fake-news-deve-ser-votado-na-camara-em-duas-ou-tres-semanas-diz-maia)

Muito embora exista o reconhecimento geral da necessidade de uma estrutura legal para fazer frente à disseminação de notícias falsas (fake news), o PL nº 2.630/2020 apresenta – no meu entender – uma série de óbices que, no limite, podem ameaçar direitos fundamentais constitucionais, tais como a liberdade de expressão e o sigilo das comunicações.

Demais disso, da forma como atualmente se encontra, caso venha a ser aprovado pela Câmara e sancionado pelo Presidente, serão impostos uma série de mecanismos de conformidade (compliance) para os setores privados e público de implementação bastante oneroso, quando não impossível de ser alcançado.

Sendo assim, para fomentar o debate sobre questões dessa relevância, gostaria de chamar a atenção para os seguintes aspectos do projeto legislativo de regulação das fake news:

Setor privado: No âmbito empresarial, o PL se destina aos provedores de redes sociais e aos serviços de mensageria privada que ofertem serviços ao público brasileiro com mais de dois milhões de usuários. É o caso, por exemplo, do Facebook e WhastApp, que contam com, respectivamente, 130 e 120 milhões de usuários somente no Brasil.

Dentre as medidas que considero mais polêmicas, destaco o dever, por parte de provedores de redes sociais, de elaborar e publicar relatórios trimestrais que contenham informações de todos os procedimentos e decisões de conteúdos gerados por terceiros no Brasil, contendo números totais e devidamente especificado quanto ao procedimento adotado em relação:

  • Usuários que acessaram a rede social no Brasil e usuários brasileiros ativos;
  • Medidas de moderação de contas e conteúdos (em razão dos termos de uso; para cumprimento desta lei; e de ordem judicial específica);
  • Contas automatizadas e redes de distribuição artificial;
  • Medidas de identificação de conteúdo e tipos de identificação, remoção ou suspensão revertidas;
  • Características gerais do setor responsável pelas políticas aplicáveis a conteúdos gerados por terceiro;
  • Médias de tempo entre detecção de irregularidades e a adoção de medidas;
  • Dados de engajamentos ou interação de conteúdos identificados como irregulares;
  • Atualizações das políticas internas e dos termos de uso.

Além disso, impõe-se aos serviços de mensageria privada, a guarda de registro de mensagens veiculadas em encaminhamento de massa pelo prazo de três meses.

Com efeito, a tarefa de disponibilização e guarda de dados pessoais – inclusive de natureza sensível – de seus usuários vai na contramão de importantes legislações que já foram aprovadas entre nós.

A título exemplificativo, o Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965/2014) prevê justamente a inviolabilidade e sigilo das comunicações na Internet e nas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial. Já Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n° 13.709/2018) determina o prévio consentimento do titular para o uso de seus dados pessoais. Assim, consoante este último diploma legal, para enquadrar na exceção de interesse legitimo do controlador, todas as decisões além de estarem fundamentadas em situações concretas, devem utilizar somente dados pessoais estritamente necessários.

Vê-se, portanto, que a formalização daqueles deveres constantes no projeto em tramitação no Congresso aparenta ser pouco praticável para as empresas. No caso, a insegurança jurídica será ainda maior, considerando que, diferentemente da Lei Geral de Proteção de Dados, o PL nº 2.630/2020 não contempla a instituição de uma autoridade que viria a regulamentar, dentro de suas competências, as atividades que tratem de dados pessoais com órgãos e setores específicos.

Setor público: No tocante à atuação da Administração Pública direta ou indireta, gostaria, igualmente, de destacar as seguintes proposições:

  • Deverão constar em seus portais de transparência dados quanto à contratação de serviços de publicidade ou impulsionamento de conteúdo na Internet;
  • Coibir atos de incitação à violência contra pessoa ou grupo, em razão de sua raça, cor, etnia, sexo, características genéticas, convicções filosóficas, deficiência física, imunológica, sensorial ou mental, condenados criminais em ciberespaços;
  • No cumprimento da educação, inclui-se a capacitação para uso seguro, consciente e responsável na internet;
  • Ministério Público e Poder Judiciário deverão desenvolver ações direcionadas a responsabilização de danos coletivos em ciberespaços, incluindo a criação de áreas especializadas;
  • Edição de normas internas de estratégias de comunicação social e funcionamento de mecanismo acessível ao público para revisão de postagens;
  • Vedação à punição de qualquer servidor público em de conteúdo por ele compartilhado em caráter privado, fora do exercício de suas funções;
  • Criação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet para a realização de estudos, pareceres e recomendações sobre a liberdade, responsabilidade e transparência na Internet.

Infere-se que a maior parte das determinações legais ao setor público são, de fato, positivas. O mesmo não pode ser dito com relação a previsão da criação de estruturas que podem alterar aspectos orçamentários, como a criação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet, no prazo de 60 dias depois da publicação da Lei.

Vale a pena registrar que, apesar de previsto na Lei n° 13.709/2018, acima referida, até a presente data não houve a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados. Nesse passo, custa crer que haverá a efetivação daquele Conselho de Transparência no exíguo prazo de dois meses.

Sanções: O PL das Fakes News estabelece que os provedores de redes sociais e os serviços de mensageria privada sujeitam-se as penas de: 1) advertência, com indicação de prazo para adoção de mediadas corretivas; e 2) multa de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil.

Embora razoável o valor de uma multa em 10% sobre o faturamento da empresa, gostaria de chamar a atenção para o fato de que, considerando que o Projeto de Lei visa regular normativamente questões sensíveis aos direitos constitucionais da pessoa humana, o patamar máximo arbitrado poderá, na prática, ficar aquém do necessário para prevenir ou sancionar a hipotética violação daqueles direitos.

Em resumo, apesar dos pontos positivos, penso que o PL nº 2.630/2020 dificilmente conseguirá coibir a disseminação de notificas falsas, na medida em que não atinge as organizações que fomentam a “indústria da desinformação”. Além de impor deveres de compliance pouco factíveis às empresas que gerenciam redes sociais e serviços de mensageria, o projeto ameaça direitos caros à dignidade da pessoa humana, que durante muito tempo foram silenciados em períodos ditatoriais.