EM FOCO

Rodrigo Villar

Opinião de Rodrigo Villar

Pesquisador do CPJM.

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março, 2021.

Os membros do Congresso Nacional, a partir da diplomação até o término do mandato, consoante disposição normativa do artigo 102, I, b da Constituição, são processados e julgados por infrações penais comuns praticadas perante o Supremo Tribunal Federal. Trata-se da imunidade parlamentar relativa, formal ou processual (art. 53, §§ 2.º a 5.º, da CF/88), extensível aos Deputados Estaduais no âmbito das respectivas Constituições.

Sob essas cercanias, proposta e recebida denúncia criminal contra Senador ou Deputado Federal, por crime ocorrido após a diplomação até o término do mandato, o Supremo Tribunal Federal (STF) é a Corte competente para processo e julgamento e, recebida a denúncia, deverá dar ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final da ação movida contra o parlamentar, sustar o andamento da ação. Esse pedido de sustação deverá ser apreciado pela Casa respectiva no prazo improrrogável de 45 dias do seu recebimento pela Mesa Diretora, observando-se o quorum da maioria absoluta de seus membros (art. 53, § 4.º, da Constituição). A sustação do processo suspende a prescrição enquanto durar o mandato (cf. art. 53, §§ 3.º e 5.º, da Constituição).

No caso de afastamento do parlamentar, entendia-se que o foro por prerrogativa de função permaneceria inalterado (v.g. MS 25.579 MC, rel. p/ o ac. min. Joaquim Barbosa, j. 19-10-2005, P, DJ de 24-8-2007; e Inq 3.357, rel. min. Celso de Mello, j. 25-3-2014, dec. monocrática, DJE de 22-4-2014). Entretanto, com a decisão proferida pelo Pleno do Supremo, na sessão do dia 3 de maio de 2018, ao apreciar a questão de ordem na ação penal nº 937, procedeu-se à reinterpretação da Constituição para considerar a prerrogativa de foro apenas para o caso de a infração ser cometida durante o exercício da função parlamentar e desde que relacionada a função ainda desempenhada contemporaneamente pelo agente.

Doravante, a superveniência de licença do parlamentar para o desempenho de cargo diverso daquele gerador da prerrogativa de função torna insubsistente a competência do Supremo, considerada a ausência de vinculação da infração perpetrada com o cargo contemporaneamente exercido, ainda que não importe em perda do mandato o caso de o Deputado ou Senador ser investido em cargo de Ministro de Estado, Governador de Território, Secretário de Estado, do Distrito Federal, de Território, de Prefeitura de Capital ou de chefe de missão diplomática temporária (art. 56, I, da Constituição).

Excepcionalmente, admitir-se-á a prorrogação da competência – ainda que absoluta – se, após o final da instrução processual perante a Corte Suprema, houver a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais. Nesse caso, a competência da Corte não poderá mais ser afastada, mesmo que o parlamentar venha a ocupar outro cargo político ou deixe o cargo que ocupava, independentemente do motivo.

Não obstante esse entendimento sufragado, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Petição (PET) 7990, apreciou caso envolvendo Deputado Federal investigado por suposto delito previsto no artigo 350 do Código Eleitoral, o qual atualmente ocupa cargo de Ministro de Estado, o que que faria cessar a competência originária da Corte (cf. ação penal nº 937), pois ausente a hipótese excepcional de prorrogação de competência.

Não obstante a infração não esteja relacionada ao cargo atualmente por ocupado, Ministro de Estado, prevaleceu o entendimento de prorrogação de competência também nas hipóteses de encerramento da investigação criminal e de necessidade de controle jurisdicional da persecução penal, bem como para revisão do ato de arquivamento ou para análise para recebimento da denúncia. Nesses casos, recebida a denúncia, deverá haver a posterior declinação da competência.

Oportuno destacar que, na hipótese de competência originária dos Tribunais (LC n. 75/93, arts. 46, parágrafo único e 48, inciso II), o arquivamento da investigação criminal promovido pelo Procurador Geral da República ou do Subprocurador-Geral da República, oficiando por delegação daquele, nos feitos afetos à competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, bem como pelo Procurador Geral de Justiça do Estado (Lei n. 8.625/93, art. 29, inciso VII), no caso de competência ratione personae que caiba ao Tribunal, não está sujeito a controle jurisdicional, porquanto a Constituição lhes atribui a função de promover a ação penal pública, com exclusividade, num modelo jurídico que não admite controle por autoridade superior. Haveria, pois, o que parte da doutrina denomina de arquivamento originário, em relação aos agentes como foro por prerrogativa de função, cessando quanto aos demais indiciados a unidade de processo e julgamento, a impor a remessa ao juízo de primeiro grau competente.

Há exceção apenas nos casos em que a fundamentação de arquivamento residir em causa que torne imprescindível o exame do mérito ante a suscetibilidade de formar coisa julgada material, como no caso de atipicidade da conduta e extinção da punibilidade. Acrescenta-se ainda a possibilidade de a Suprema Corte proceder de ofício ao arquivamento no caso de entender não subsistir indícios mínimos de autoria e materialidade da infração aptas a justificar a investigação criminal (cf. art. 231, § 4º, “e”, do Regimento Interno do STF), sem prejuízo de ordem de habeas corpus também suscetível de ser concedida de ofício, nos termos 654, §2º, do CPP (v.g. Inq 3847 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 07.04.2015), hipóteses que podem se materializar, inclusive, por inobservância acentuada do prazo para oferecimento da denúncia, ainda que a luz da doutrina do “não prazo”. Afora essas hipóteses, o arquivamento poderá ocorrer diretamente no âmbito do próprio Ministério Público e o desarquivamento somente será possível com a notícia de novas provas, nos termos do art. 18 do CPP.

Portanto, o STF agasalhou também o entendimento de que subsiste a prerrogativa de foro nos casos de delito praticado durante o exercício da função parlamentar, quando relacionado a função ainda desempenhada, bem como para examinar a legalidade da persecução penal, podendo proceder ao arquivamento de ofício se ausentes requisitos legais para a investigação, não obstante formalmente não subsista mais a prerrogativa de função. Há, outrossim, julgados que admitem o exame do recebimento da denúncia quando perfeitamente propício o juízo de admissibilidade (v.g. Primeira Turma, Inq 4.641, em 29 de maio de 2018).

Não por outro motivo, o STF entendeu, em 19.02.2021, nos autos da Petição (PET) 7990, por maioria de votos após divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes, que subsiste a competência da Corte também para  análise do acordo de não persecução penal (art. 28-A do CPP, com redação dada pela Lei n. 13.694, de 24 de dezembro de 2019), proposto pelo membro do Ministério Público, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, observadas determinados requisitos e condições objetivas.

O acordo de não persecução penal é instrumento de política criminal tendente à formulação de uma solução consensual e voluntariamente ajustada para a reprovabilidade do comportamento ilícito, o reestabelecimento do estado de coisas pretérito e a afirmação sobre a existência do conteúdo proibitivo da norma e dos seus correlatos efeitos indutivos negativos.

Em momento antecedente ao processo, o Minsitério Público e o autor do delito, assistido por seu advogado, celebrarão, por escrito, o acordo de não persecução penal, após a confissão formal e circunstancial da prática de infração penal, com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, cometida sem violência ou grave ameaça, cujo benefício será a extinção da punibilidade empós o ônus de cumprir determinadas condições indicadas no instrumento do acordo.

Segundo tais parametrizações, o acordo em questão foi homologado, nos autos da Petição (PET) 7990, pelo Relator então vencido, após destacar que o cumprimento dos requisitos legais e submetê-lo ao seu cumprimento, inclusive, para reparação do dano, mediante depósito de prestação pecuniária de R$ 189.145,00, por meio de guia de recolhimento à União, em até 24 horas da ciência da homologação.

Trata-se, portanto, de um interstício temporal casuístico que reclamará ou não a atuação jurisdicional em situações ordinariamente indicativas de declínio de competência, em observância aos princípios da duração do processo, da celeridade e da efetiva prestação jurisdicional, que se desdobra em materializações da preservação da imediatidade das provas e da coibição de fraudes e abusos processuais.