EM FOCO

Ilene Patrícia Noronha Najjarian

Entrevista com Ilene Patricia Noronha Najjarian

Procuradora Federal lotada na CVM, Doutora em Direito Comercial pela USP e Professora da GVlaw e da FMU

abril, 2020

FINTECHS, PANDEMIA E OS DESAFIOS REGULATÓRIOS NO BRASIL

 

Quais desafios regulatórios que as Fintechs oferecem na atualidade?

Em 2016, quando escrevi o artigo “FINTECH NOVO DESAFIO REGULATÓRIO” (publicado na RT/RDBMC – Revista do Direito Bancário e do Mercado de Capitais nº 73. jul/set., 2016), não havia a necessidade de ressignificar a utilização da Internet e da tecnologia, como hoje, em período de quarentena globalizada, em razão da doença COVID-19, propagada por meio de um vírus. Hoje, é enorme a necessidade de convergência digital entre produtores de portais on-line, e-commerce, de empresas voltadas para áreas de Tecnologia de Informação e Telecomunicações, bem como de empresas voltadas para a inteligência artificial nos diversos segmentos, inclusive o de finanças.

As Fintechs deveriam já estar capitalizadas e mais bem reguladas pelos órgãos reguladores, de molde a propiciar uma certa concorrência em mercado tão concentrado como o bancário. Neste momento, as fintechs também estão experimentando dificuldades como quase todos os empresários de pequeno porte e neste momento devem estar mais atentas para evitar a ocorrências de fraudes, e ilícitos pela Internet, estabelecendo uma supervisão que pode incidir na celebração de parcerias e convênios para exercer seu compliance de maneira eficaz, sem deixar de lado o regime jurídico já estabelecido pela LGPD, Lei nº 13.709/18, ainda em vacatio legis.

Qual a relação entre o compliance, as Fintechs e o mundo atual?

É necessário estabelecer novos códigos de ética e de compliance para as fintechs e bancos múltiplos que operam com tecnologias avançadas. A regra “Know Your Client” (KYC), não basta em tempos de monitoramento de celulares e robotização de gestão de investimentos. Hoje é preciso também implementar o “Know Your Robot” (KYR), de molde a reconhecer a tecnologia que os investidores e veículos de investimento estão “operando”, ou, como se diz na linguagem da programação: “rodando”.

Pós COVID-19, o mundo será mais digital e tecnológico como nunca antes observado, assim como as nossas finanças. Nesse cenário seria salutar que as fintechs tivessem maior atenção dos governantes de molde a promover a continuidade das operações de tais instituições, e assim, aliviar um pouco a concentração bancária no país.

O dinheiro físico deixará de existir no futuro, e, talvez, até mesmo o costumeiro “aperto de mão” deixe de existir um dia, por força de um possível mecanismo inconsciente de autopreservação em razão de epidemias e pandemias recorrentes.

Veja-se que o “Roboadvisor” já faz parte da gestão de carteiras no mundo todo. Os algoritmos substituíram o gestor pessoa física e os pagamentos de contas programadas já integram do dia-a-dia do cidadão comum. O uso da criptografia e de criptoativos em carteiras de investimento também já é uma realidade, mesmo em um país pouco desenvolvido como o Brasil.

Qual o cenário que irá se desenhar para a sociedade e as fintechs após o fim da pandemia do coronavírus humano?

Ainda em razão do isolamento social sem precedentes da COVID-19, a tecnologia da informação deve conduzir seus usuários a novos caminhos, e pessoas que nunca haviam utilizado uma assinatura eletrônica passaram a fazer uso dela. Indivíduos que jamais haviam utilizado uma fintech agora podem passar a pensar no assunto em face das facilidades por elas oferecidas; custos mais baixos e contratos modernizados, os quais – conforme descortinado no artigo que escrevi em 2016 –, envolvem a troca de bancos de dados, softwares, multimídia, apps integrados e até sistemas de inteligência artificial.

Não há como prever o grau de empobrecimento da sociedade brasileira após a superação, ainda que em parte, da crise sanitária atual provocada pelo covid19.  Fato é que haverá pessoas em busca de crédito mais barato e haverá pessoas com saldo em caixa, liquidez, objetivando salvaguardar suas poupanças e, portanto, deverão estar atentas aos custos de investimento em face das taxas de retorno, grau de sofisticação da tecnologia e privacidade oferecidas, dentre outros fatores importantes, antes de optarem por um banco ou uma fintech de varejo para investimento ou obter crédito.