EM FOCO

Marcelo Rhenius

Opinião de Marcelo Rhenius

Sócio do escritório Ana Luiza de Sá Advogados, Pós-Graduado em Gestão Empresarial pela COPPE/UFRJ e Advanced Compliance Professional pela Corporate Lawyering Group – NY

abril, 2020.

Proponho aqui uma breve discussão baseada nesses três assuntos, Compliance, Crise e Continuidade, me reservando ao direito de tratar apenas de discussões sobre teses, sem aprofundamento acadêmico.

A forma de se referir ao Compliance é, em sentido amplo, quase como nome próprio, com todas as suas ferramentas, métodos e virtudes, problemas e defeitos, praticamente um ente. O mesmo para a Crise e para a Continuidade, aqui entendida como continuidade dos negócios. Exatamente por esse motivo tomo a liberdade de repeti-los com letra maiúscula ao longo do texto. Com isso, o que se busca debater é o processo advindo da sucessão desses três entes e seus efeitos, através das seguintes ordens: Compliance, Crise e Continuidade; ou Crise, Continuidade e Compliance. Esses axiomas são os dois resultados escolhidos dentre os 6 resultados possíveis de análise combinatória entre os três entes.

Como referência, estabeleço um rápido paralelo entre as duas sentenças mencionadas no título desse artigo com o Ciclo PDCA (Plan, Do, Check, Act), metodologia amplamente difundida e aplicada no universo do Compliance, estabelecendo que os axiomas ora propostos também serão tratados como ciclos. O Ciclo PDCA é uma metodologia de melhoria contínua e incremento constante, onde o fim de uma rodada representa apenas o começo de uma nova, o que o torna praticamente infinito.

Compreendendo o primeiro axioma – Compliance, Crise, Continuidade – nomina-se o início do ciclo como a implementação de um programa de Compliance. Presume-se um programa devidamente formatado e implementado, adequado ao tamanho e às necessidades da empresa a que serve. Aqui se estabelece a primeira etapa desse processo. Uma das virtudes do programa de Compliance, por menor e mais simples que se possa imaginar, mas devidamente proporcional à empresa que atende, é criar mecanismos para enfrentamento de Crises. Lembremos ainda que o Compliance cria metodologias para evitar que Crises sejam geradas endogenamente, da mesma forma prevê reações procedimentais para Crises de um modo geral, inclusive as exógenas.

Prosseguindo na formulação, chega-se ao segundo elemento da sentença: a Crise, seja ela qual for. Inicia-se assim a segunda etapa. Ante a Crise instaurada e todos as questões que dela derivam, o seu enfrentamento deve ser através dos modelos pré-definidos durante a construção da metodologia de Compliance, ou criados naquele momento, para os casos não previstos até então. Sempre de acordo com uma metodologia pré-existente. Em seguida, passa-se à análise da terceira etapa desse processo, garantir a Continuidade dos Negócios. Essa modelagem, representada de forma quase minimalista pelo do axioma sugerido, parece ser a cartilha mais difundida em nossos dias. A que preconiza ações preditivas, preparatórias para cenários através de metodologias específicas com o objetivo de assegurar a Continuidade dos negócios.

Por essa lógica, assim como no Ciclo PDCA, superada a Crise e garantida a Continuidade, obrigatoriamente, retorna-se à primeira etapa do ciclo, onde a revisão do programa de Compliance parece ser a atividade-chave, ajustando-o à nova realidade, reiniciando-se o processo. Percebam que o que se exauriu foi um período do Ciclo, mas não o Ciclo como um todo, pois este será infinito enquanto utilizado como modelo de referência.

Outro ponto a ser observado é que Crises alteram entendimentos, criam novas conexões e propõem novos caminhos e soluções, pois apresentam problemas até então não enfrentados, as vezes sequer imaginados. Ao que parece, essa seria a visão pragmática do que se propõe da forma mais geral e ampla ao se falar da necessidade da implementação de Programas de Compliance pelas empresas. Porém, fazendo uma análise mais acentuada da realidade que nos cerca, também se observa a incidência de outros ciclos. Aqui vamos tratar daquele representado pelo segundo axioma, qual seja: Crise, Continuidade e Compliance. Não há dúvida que a Crise está instaurada, e o horizonte é incerto e sombrio. Nesse momento, a busca é pela Continuidade, conduzir evitando ir a pique, a derrota, o naufrágio. Danos são inevitáveis e a diminuição da velocidade é uma certeza, mas ainda assim é necessário avançar.

Essa parece ser a realidade de muitas empresas ao nosso redor. Apesar de inúmeros esclarecimentos e incentivos acerca dos benefícios da implementação dos programas de Compliance, não necessariamente foram essas as escolhas adotadas. Tivemos, nos últimos anos, propaganda muito intensa acerca dos programas de Compliance como ferramenta privada de combate à corrupção. De fato, uma ótima vertente que, quando aplicada da forma correta, permite resultados excepcionais nesse sentido. Entretanto, seria essa apenas uma das virtudes dos programas de Compliance. Pouco ou quase nada se falou sobre Crises. Os conhecimentos mais amplos que qualquer programa de Compliance pode oferecer dizem respeito especificamente às análises de risco e gestão de crises. Essas são suas macrofunções. Nesses conhecimentos, inclusive, estão contidas todas as metodologias para o combate à corrupção, e não o contrário.

Pois bem, retornando ao segundo axioma, a Crise já se instaurou e a Continuidade virou o mote do dia. A busca pela sobrevivência versus a compreensão e a reação à Crise mantém-se como exercício diário. Seria então o Compliance o almejado farol guia? É demasiado depositar tanta expectativa ou responsabilidade sobre ele, e muito menos sobre seus operadores. Não num curto espaço de tempo, não como solução imediata. Os mecanismos de gestão de Crise que funcionam têm estreita relação, dentre outras coisas, com uma cultura sólida, amplamente difundida dentro da organização, e para isso a maturidade de um programa é fundamental, leia-se tempo.

Da mesma forma não se pode presumir que somente a instauração de um Programa de Compliance tornará a empresa imune às crises. Definitivamente não é isso. Compliance não é vacina para todos os males, mas sim uma potente ferramenta metodológica capaz de colaborar de forma relevante na solução de problemas. Dito de outro modo, pela ordem disposta no segundo axioma, presume-se que as empresas que ora enfrentam a Crise visando a Continuidade dos seus negócios provavelmente buscarão, em um próximo momento, a implementação de um programa de Compliance, pelo exemplo positivo dado por aquelas que já o possuem. Apesar de tratar-se de presunção, hipóteses de eventuais fusões e aquisições, possíveis alteração dos regimes de trabalho e de relacionamentos com entes públicos, poderão conduzir o mercado a uma nova forma de fazer negócios. Em síntese, em tempos de Crise, a busca pela Continuidade dos negócios é o mote principal. Sabe-se que uma parte das empresas inseriu a cultura do Compliance em suas atividades diárias. Apesar de não necessariamente amenizar os efeitos diretos da Crise, tal cultura permite não só um enfrentamento mais organizado, como também é capaz de permitir uma reavaliação dos riscos e sua prevalência em tempo real, trazendo mais clareza ao gestor que precisa tomar decisões, a todo instante, em um cenário dinâmico.

Aos que não implementaram da forma correta, ou simplesmente não implementaram, mesmo para empresas com excelentes controles internos, provavelmente a sequência contida no segundo axioma aqui proposto se confirmará, quer pelas dificuldades enfrentadas diariamente para garantir a Continuidade das operações, quer por uma possível alteração das exigências de mercado, ou, o mais terrível, quer por exigência de um comprador.

Por fim, o alento que fica dessa modelagem é a máxima de que o começo do Ciclo pode se dar a qualquer momento. Qualquer passo nessa direção já será o início.