Compliance Aldeia Potemkin.

Por Artur Gueiros, Coordenador Acadêmico do CPJM.

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05/07/2021.

Aldeia Potemkin é um objeto de ilusionismo, ou ferramenta de embuste, por intermédio do qual se constrói um conjunto de edificações que não passam de invólucros vazios, cuja função é unicamente simular ou dissimular cidades reais. Ela não se confunde com os cenários de filmes de cinema, pois não tem finalidade de entretenimento cultural, destinando-se a servir a determinado propósito político, econômico ou, ainda, militar, criando-se a aparência de higidez, de riqueza ou de atendimento de demandas de segurança ou poderio bélico. (cf. https://www.publico.pt/2017/11/29/p3/fotogaleria/um-mundo-de-falsificacoes-arquitectonicas-386735)

Reza a lenda que a expressão teria surgido na Rússia Imperial, durante a viagem de Catarina II à então recém-anexada Crimeia (1787). Na ocasião, o marechal de campo e primeiro ministro Grigori Alexandrovich Potemkin, um dos vários amantes da czarina, teria ordenado a construção de diversas aldeias portáteis nas margens do rio Dnieper, a fim de influenciar positivamente a imperatriz e a comitiva de embaixadores e dignatários estrangeiros que a acompanhava. Na verdade, a região havia sido devastada pela guerra da Rússia contra o Império Otomano, e uma das missões de Potemkin era reconstruir e repovoar as terras que agora fazem parte da Ucrânia. Ao descerem o rio, os visitantes teriam visto com os próprios olhos as “prósperas aldeias” e os “felizes colonos” acenando ao longo do percurso, o que teria causado boa impressão à czarina e aos aliados da Rússia, anos antes da invasão da Grande Armée. (ZAMOYSKI, Adam. 1812: A marcha fatal de Napoleão rumo à Moscou. Rio de Janeiro: Record, 2013).

Para impressionar sua amada e seus convidados, Potemkin armou um espetáculo sem precedentes, e por todo o caminho da comitiva real de Kiev a Sebastopol foram alinhados uma variedade de casas, lojas, igrejas, entre outras, tudo feito apenas da fachada pintada em madeira e papelão, bem como, de crianças brincando pelas ruas, gado pastando nos campos e homens de Potemkin vestidos de camponeses felizes e agradecidos, que aclamavam as barcaças reais russas e saudavam Catarina, a Grande.”

“Tudo feito para dar um ar de prosperidade ao lugar e assim que a comitiva passasse, tudo era desmontado e levado para outro lugar a fim de preparar para a passagem seguinte de Catarina. Tudo isso na calada da noite, enquanto a comitiva descansava na estalagem. Toda essa falcatrua foi paga com dinheiro público e o mais impressionante foi uma noite de fogos de artifícios reproduzindo o ataque na baía de Sebastopol, onde Catarina II e convidados viu a Frota do Mar Negro em toda a sua beleza, mas também a maioria dos navios feitos em madeira e pintura falsa.” (cf. https://www.magnusmundi.com/a-farsa-das-aldeias-de-potemkin).

Embora a lenda careça de comprovação histórica – ou, talvez, que ela possua uma certa dose de exagero –, fato é que a expressão Aldeia Potemkin permaneceu. Ela passou a designar, como dito acima, qualquer medida levada a efeito para proporcionar uma fachada externa a uma organização que vivencia maus momentos ou que não cumpre com os objetivos prometidos, criando a impressão de que ela está em boas condições ou em atendimento aos deveres societários.

Nesse sentido, Compliance Aldeia Potemkin quer significar o expediente – infelizmente bastante frequente – das organizações anunciarem a adoção de estratégias de conformidade, de cumprimento normativo, com o objetivo – tal como feito pelo antigo marechal russo – de causar boa impressão aos olhos alheios, transmitindo, no caso, a mensagem de que se trataria de uma boa e fiel cidadã corporativa (cf. COFFEE JR., John. Corporate Crime and Punishment: The Crisis of Underenforcement. Oakland: Berrett-Koheler Publishers, 2020, p. 210).

Com efeito, nos dias de hoje, a conformidade se tornou pedra fundamental da gestão dos riscos da atividade econômica. Por esse motivo, a criação de um programa de compliance de fachada tem sido detectado – pelos especialistas da matéria –, como um reprovável ato de ilusionismo destinado a obtenção de um tratamento leniente perante os órgãos externos de fiscalização e punição e/ou para uma valorização artificial dos ativos de uma empresa, haja vista a precificação positiva da pessoa jurídica que apregoa estar em compliance.*

*Para saber mais sobre o assunto, vide: SOUZA, Artur de Brito Gueiros. Direito Penal Empresarial: Critérios de atribuição de responsabilidade e o papel do compliance. São Paulo: LiberArs, 2021, pp. 188-189.