Compliance e segurança do trabalhador

Por Artur Gueiros, Coordenador Acadêmico do CPJM.

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08/03/2020.

De acordo com reportagem publicada pelo Jornal The Guardian, mais de 6,5 mil trabalhadores imigrantes já morreram no Qatar, nas obras de preparação para a Copa do Mundo de Futebol da FIFA, antes da bolar rolar, em novembro de 2022. Segundo, ainda, aquele Jornal, os imigrantes vieram de países como Índia, Nepal, Bangladesh, Sri Lanka e Paquistão. Dados oficiais das quatro primeiras nações revelariam 5.927 mortes de trabalhadores entre 2011 e 2020, tendo a embaixada paquistanesa no Qatar contabilizado separadamente o falecimento de 824 operários https://www.instagram.com/p/CLrrgQaqR-q/

Em que pesem esses dados, estima-se que o número de fatalidades seria bem maior, pois os eles não incluem as mortes de trabalhadores de países como Filipinas e Quênia, que compõem grande parte da força de trabalho no Qatar. – Uma proporção significativa de trabalhadores imigrantes que morreram desde 2011 só estavam no país porque o Qatar ganhou o direito de sediar a Copa do Mundo em 2022 – destaca Nick McGeehan, advogado especializado em direitos trabalhista na região do Golfo (https://epocanegocios.globo.com/Mundo/noticia/2021/02/mais-de-65-mil-trabalhadores-imigrantes-morreram-na-preparacao-do-qatar-para-sede-da-copa-de-2022-diz-jornal.html).

É certo que o Qatar tem sido acusado por falta de segurança para os trabalhadores desde o início das construções para a Copa do Mundo de futebol da FIFA, havendo inúmeras denúncias de condições perigosas ou insalubres de trabalho, por parte de autoridades e organizações internacionais (https://veja.abril.com.br/placar/operario-morre-em-obra-de-estadio-da-copa-do-mundo-de-2022/). Todavia, nas edições anteriores do citado evento esportivo, também foram registrados números elevados de óbitos de trabalhadores (https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/08/140811_mortes_estadios_copa_mv). Em geral, esses acidentes estariam relacionados com a pressa para a conclusão dos estádios e demais equipamentos de apoio, bem assim aos efeitos perversos da corrupção, que acarreta desvio de dinheiro público para a escolha de produtos e serviços de segurança de baixa qualidade (SOUZA, Artur de Britto Gueiros. Breves considerações sobre a corrupção em transações comerciais internacionais. In Direito Penal Internacional. Japiassú, Carlos Eduardo (Org.) Rio de Janeiro: Lumen Juris 2007, p. 35).

Esses fatos trazem a consideração a questão do papel do compliance na segurança do trabalhador. No caso do Brasil, estima-se que mais de meio milhão de trabalhadores sofram algum tipo de acidente por ano, não se computando, naturalmente, as subnotificações e o trabalho na informalidade. Em 2018, teriam ocorrido 2.022 mortes de trabalhadores brasileiros, número superior ao de 2017, que foi de 1.992 (https://www.anamt.org.br/portal/2019/05/30/numero-de-mortes-por-acidente-de-trabalho-volta-a-crescer-no-brasil/).

Segundo o art. 19 da Lei no 8.213/1991, acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, ou de empregador doméstico, ou pelo exercício do trabalho do segurado especial, provocando lesão corporal ou perturbação funcional, de caráter temporário ou permanente. Pode causar desde um simples afastamento, a perda ou a redução da capacidade para o trabalho, até mesmo a morte do segurado. Também são considerados como acidentes do trabalho: 1) o acidente ocorrido no trajeto entre a residência e o local de trabalho do segurado; 2) a doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade; e 3) a doença do trabalho, adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente. (https://www.gov.br/previdencia/pt-br/assuntos/previdencia-social/saude-e-seguranca-do-trabalhador/dados-de-acidentes-do-trabalho/arquivos/aeat-2018.pdf).

Cumpre observar que as empresas procuram adotar, por intermédio dos programas de compliance e códigos de boa conduta – em especial entre aquelas que exploram atividades consideradas de risco –, normas para a prevenção de acidentes laborativo, como o treinamento do trabalhador e a obrigação da utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs). Sobre o assunto, a Revista Cipa aponta cinco estratégias preventivas que podem fazer a diferença: 1) Desenvolver uma rotina de manutenções das máquinas e equipamentos; 2) Manter um ambiente de trabalho seguro; 3) Oferecer EPIs sempre que necessário para garantir a segurança da atividade; 4) Isolar os riscos do chão de fábrica e sinalizá-los bem; e 5) Investir em treinamento e capacitação das equipes (https://revistacipa.com.br/5-acoes-preventivas-para-evitar-acidentes-no-ambiente-industria/)

 Seja como for, é certo que compete ao oficial de compliance da empresa o dever de elaborar, treinar e atualizar o sistema de prevenção dos riscos de acidentes trabalhistas, com o objetivo de evitar lesões, incapacitações, enfermidades ou morte dos seus empregados, estabelecendo-se a fronteira entre o que é permitido e o que é proibido fazer nas tarefas a serem desempenhadas. Conforme lecionado pelo estimado Professor Lascuraín Sánchez, é fundamental delimitar o âmbito do risco permitido, pois se é admissível que algumas atividades contenham certo nível de perigo, isso se dá em razão da utilidade que dela se espera, mas sempre dentro de standards predeterminados: “Múltiplas normas em distintas esferas (leis, regulamentos, regulamentos técnicos, convênios coletivos) precisam o que se pode ou não fazer para se manter o controle do perigo. Trata-se de normas que demarcam o permitido, o prudente, o cuidado devido. Salvo exceções, sem infração de qualquer dessas normas não cabe falar em culpa.” (LASCURAÍN SÁNCHEZ, Juan Antonio. A prevenção do delito contra a segurança do trabalhador. In Manual de Cumprimento Normativo e Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica. Nieto Martín, Adán et al (Org.) 2ª ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019, p. 598).

Dessa maneira, tem-se que a esse arcabouço normativo deve-se acoplar as normas internas contidas nos respectivos programas de conformidade empresarial, não apenas para a prevenção e delimitação de responsabilidades no âmbito do organograma da corporação, mas, igualmente, para a efetivação dos mecanismos de não-realização de comportamentos perigosos e, sobretudo, para que não ocorram acidentes que possam lesionar ou vitimar fatalmente aqueles que executam as atividades trabalhistas.