Valores ético-sociais e os programas de compliance

Por Artur Gueiros, Coordenador Acadêmico do CPJM

10/09/2020.

Os estudiosos já observaram a estreita relação entre a doutrina de Hans Welzel e os programas de compliance. Consoante o grande nome do pensamento penal do séc. XX, a missão primária do Direito Penal não é a proteção atual de bens jurídicos, pois quando entra efetivamente em ação, em geral chega demasiadamente tarde. Na verdade, a missão mais profunda do Direito Penal é de natureza ético-social e de caráter positivo: ao proibir e punir a inobservância efetiva dos valores fundamentais da consciência jurídica, revela-se a disposição da vigência inquebrantável daqueles valores, dando forma ao juízo ético-social dos cidadãos e fortalecendo a consciência de permanente fidelidade jurídica (WELZEL, Hans. Derecho Penal Aleman. 11ª ed. Trad. por Bustos Ramírez e Yáñez Pérez, Santiago: Ed. Jurídica de Chile, 1997, p. 3-5).

Welzel ilustra o seu raciocínio justamente com a atividade laborativa. Segundo ele, o valor do trabalho pode ser apreciado, de um lado, a partir do produto material que ele gera (o seu resultado). Por outro lado, o trabalho possui, independentemente do que foi produzido, um significado positivo na existência individual. O trabalho, isoladamente considerado, dá plenitude a vida humana; e esse sentido subsiste ainda quando não se atinja determinado objetivo. Ele é, em si, uma categoria ético-social. Para o autor, o mesmo se aplica às condutas humanas negativas: a violação das normas penais. Com efeito, o desvalor da ação pode ser mensurado no efeito que acarreta (desvalor do resultado), mas ele é também reprovável independentemente do resultado, vale dizer, pelo desvalor em si da ação (WELZEL, Hans. Op. cit., passim).

Em convergência de propósitos, o compliance têm por missão a promoção de uma cultura empresarial ética e de cumprimento normativo, objetivando não somente a inocorrência de resultados desvaliosos decorrentes da atividade empresarial, como, também, a boa governança corporativa. Conforme lecionado por Anabela Rodrigues, as empresas devem desenvolver suas atividades de acordo com as normas legais, exigindo dos seus integrantes a observância de valores que orientem o seu trabalho, imprimindo uma cultura ética empresarial que, aliás, está na base do cumprimento normativo. Em suma, as normas internas de bom governo são uma ferramenta essencial para que se possa garantir que nas empresas venham a ser implantados valores ético-sociais a serem assumidos por todos os seus integrantes (RODRIGUES, Anabela Miranda. Direito Penal Económico: Uma política criminal na era compliance. Coimbra: Almedina, 2019, passim).